sábado, 8 de junho de 2013

[Estão Minhas Mãos Limpas] Calvinistas, Pelagianos e Homossexualidade (por Misty Irons)

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Como já expliquei num artigo anterior, não penso haver contradição na crença de que os seres humanos são moralmente culpados pela condição pecaminosa não escolhida por eles mesmos. Creio que os homossexuais não escolheram sua orientação sexual, todavia, eles podem ser corretamente julgados por Deus pela violação de seu mandamento da criação simplesmente por serem homossexuais, a despeito de agirem ou não de acordo com sua orientação sexual. Como cristãos reformados, entendemos que esta é a própria definição do pecado original, a saber: entramos neste mundo como filhos de Adão, aos quais foi imputada a culpa do primeiro pecado de Adão e de quem herdamos a corrupção de nossa natureza mesmo antes de começarmos a agir por conta própria. Antes da autoconsciência, da consciência moral ou da consciência da capacidade pessoal de escolha começarem a se formar nos primeiros estágios da vida, já estamos condenados e corrompidos, e somos obrigados a colher os frutos dessa condenação e corrupção vivendo de forma pecaminosa (Breve Catecismo de Westminster  18). Não há boas obras suficientes, praticadas por nós, capazes de reverter o pecado original, razão pela qual o Evangelho nos diz que devemos ser salvos exclusivamente por intermédio da justificação pela fé em Jesus Cristo — que nos perdoa os pecados e imputa o mérito da justiça de Jesus em nossa conta (Breve Catecismo de Westminster  33).

Nem sempre cri como agora a respeito dos homossexuais. Eu costumava afirmar que a homossexualidade era uma escolha devida ao desejo sexual pervertido, incontrolado, e que “orientação sexual” era apenas um eufemismo político com o intuito de retirar da homossexualidade qualquer senso de responsabilidade. Além do mais, por saber que a Bíblia condena os homossexuais, a explicação não era convincente e, além disso, os ativistas homossexuais radicais tinham adotado uma resolução temerária, de forma que a questão da escolha parecia estar resolvida.

Cinco anos atrás, dois homossexuais se mudaram para o apartamento vizinho ao nosso, e tentei estabelecer com eles uma amizade com o propósito de partilhar o Evangelho. Os dois eram muito educados e excelentes vizinhos, mas nunca passamos da amizade pro forma e, aparentemente, nada que eu fizesse poderia ultrapassar a barreira interposta por eles. Dois anos depois, um deles morreu por complicações relativas à aids, e eu me senti péssima por Deus ter colocado em meu coração, durante dois anos, que deveria testemunhar para eles, mas por eu não saber como ajudá-los, um deles morrera sem, talvez, ter conhecido a Cristo. Além disso, o rapaz que morreu de aids jamais dissera ser portador do vírus, e senti-me desconfortável pelo fato de ele temer falar sobre sua situação por eu ser cristã (talvez ele imaginasse que eu o julgaria por isso).

Foi por essa razão que comecei a ler livros de autores homossexuais. Eu queria ver o que poderia aprender sobre a “cultura gay”, e entender melhor como dialogar com eles. Com a aids se espalhando pelo mundo todo, seu destino eterno dependia da minha habilidade de não ser tão ignorante, como eu fora com meu vizinho. Não estava esperando ser iluminada sobre nenhum assunto, de fato, minha expectativa era ficar bastante desgostosa com o que encontraria. Quanto mais eu lia, mais convencida me tornava de que eles não escolheram ser homossexuais. Eu esperava que as pessoas falassem sobre sua curiosidade sexual e experiências durante a juventude que as teriam levado a trilhar esse caminho, ou histórias de pessoas molestadas sexualmente, resultando em desorientação sexual e comportamento autodestrutivo.

Em vez disso, eu li relatos sobre a infância de pessoas que cresceram sob circunstâncias muito normais num ambiente familiar tradicional — em alguns casos até mesmo famílias religiosas conservadoras — cientes, já por volta dos quatro ou cinco anos, de que algo nelas era diferente. Um homem descreveu lembranças de querer estabelecer um vínculo emocional com outros garotos do curso da escola de ensino fundamental, e eles retribuíram de forma mais insinuante que a simples amizade, confundindo-o, por não conseguir entender o que se passava. Ele falou sobre como, durante o ensino médio, ainda embaraçado e procurando descobrir o que havia de diferente nele, roubou da biblioteca um livro de fisiologia humana para saber se lhe faltava alguma parte essencial da estrutura física masculina .

Outro homem disse que todos os seus amigos do ensino fundamental não mais consideravam as garotas “esquisitas”, mas ele mesmo, ao entrar na puberdade, por volta dos 12 anos, estava completamente horrorizado ao perceber que sonhava com garotos no lugar de garotas, e acordava se sentido sujo, doente e amedrontado com o que acontecia.

Para outras pessoas que passaram por esse período, muito tempo e energia foram gastos tentando esconder o que passavam dos amigos do ensino médio, completamente apavorados pela idéia de serem expulsos ou surrados se outros garotos descobrissem seus sentimentos pelo mesmo sexo. Quando adultos, devotaram anos para tentar mudar, gastaram milhares de dólares em psicoterapia ou hipnose, filiaram-se a igrejas fundamentalistas no esforço de enclausurar seus sentimentos, casaram-se com pessoas do sexo oposto (na esperança de aprender a gostar delas), e não raro, essas experiências terminaram no fundo do poço, nas drogas, nas ruas ou em suicídio.

Na noite do domingo passado, recebi uma ligação de um amigo homossexual que me disse, chorando, que cortaria seu braço direito se isso pudesse fazê-lo heterossexual. Ele não queria ser homossexual, mas se sentia incapaz de mudar, e queria saber se valia ainda a pena viver. Todos os meus amigos e amigas homossexuais sabem que eu sou uma cristã conservadora que crê na interpretação tradicional do ensino bíblico a respeito da homossexualidade, mas eles não parecem se importar. O que lhes interessa é que eu ouço suas histórias, e creio neles quando descrevem suas tentativas de mudança — geralmente o ponto onde a conversa é interrompida e choramos. Nos últimos dezoito meses tenho trocado muitos e-mails, conversado ao telefone, partilhado refeições, chorado com muitas pessoas, e conversado até longas horas na noite. Algumas vezes penso que meus amigos homossexuais estão realmente felizes por eu ser uma cristã conservadora porque, no fundo do coração, sabem que sua homossexualidade é um pecado contra Deus. Eles não ousariam crer que Deus pudesse amar alguém como eles, mas quando vêem que uma cristã conservadora os ama, isto lhes dá esperança de que talvez Deus os ame também.

Quero dizer a meus amigos homossexuais que a fé reformada possui respostas para eles. A maioria dos cristãos evangélicos pode apenas oferecer-lhes a resposta pelagiana: todo pecado é uma escolha, e pelo fato de a homossexualidade ser pecado, também se trata de uma opção. A menos que possam rejeitá-la, perecerão. Digo a meus amigos: mesmo que eles não tenham escolhido a homossexualidade, ela ainda é pecado, e eles serão julgados por Deus por causa de seu problema — que é o problema de toda a humanidade. Todos nós estamos condenados a perecer não por causa das nossas escolhas pecaminosas, mas por causa da imputação do pecado de Adão e da corrupção herdada por nossa natureza. A doutrina do pecado original é extremamente difícil de ser crida pelas pessoas — por dizer que não temos escolha no que tange ao destino eterno. Ela fala da nossa condição impotente e perdida diante do Deus santo, e as pessoas não querem isso. Ao contrário, desejam enganar a si mesmas crendo poderem escolher a moralidade.

Entretanto, o homossexual não é enganado. Ele conhece de forma diferente. Experimenta a cada dia o significado de ser completamente incapaz de redimir a si mesmo (em sentido moral), e deve viver cada dia na miséria dessa condição. Quero falar a homens e mulheres homossexuais sobre as boas novas da justificação por meio da imputação da justiça de Cristo à conta deles, exortando-os ao apego a Cristo pela fé; e da mesma forma que Abraão contemplou o próprio corpo sem vitalidade ser fortalecido, que meus amigos olhem para fora de si mesmos — na direção da promessa da ressurreição do corpo (Romanos 4:19-25).


Sobre a autora: A autora é esposa do Rev. Lee Irons.

Fonte : Nicotine Theological Journal, vol. 6, no. 2 (abril de 2002).

Extraído de: