quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Política Segundo a Bíblia (Por Matheus Henrique) - Parte 01 de 02

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Extraído de: Economia Cristã

Introdução


Política é um tema sempre recorrente em nossas discussões. É um tema sobre o qual virtualmente todos nós temos alguma opinião, algumas embasadas, outras meramente especulativas.

Há um pensamento dentro do Cristianismo que defende uma separação entre assuntos espirituais e terrenos. Segundo esse pensamento, conhecido de forma genérica como pietismo, a Bíblia descreve e regula o funcionamento do reino espiritual e da igreja institucional. O crente não pertenceria a este mundo e, portanto, nada tem a ver com os assuntos seculares, que significa que não devemos ter esperança alguma em influenciar esses meios.

Outra corrente, entretanto, defende que, como Cristãos, podemos e devemos influenciar os assuntos seculares, mas não devemos ter esperança de sucesso. Apesar disso, dizem, deveríamos influenciar baseando-se numa lei natural comum. A lei civil de Israel, por exemplo, serviria, no máximo, como um guia para o funcionamento do estado.

Uma terceira posição, conhecida como teonomia, prega que não existe neutralidade em nenhuma área do conhecimento e da existência do homem. A Lei de Deus é o padrão moral imutável e eterno para governar os assuntos terrenos. Assumir que o reino secular está fora de nosso alcance ou que devemos influenciá-lo baseado no senso e justiça comuns seria negar o governo ético da Lei de Deus sobre tudo e sobre todos. Seria dizer que política é imoral ou amoral. Nenhum dos dois pensamentos estão de acordo com a palavra de Deus.

Sobre o pietismo, R. C. Sproul Jr. comentou: 
“Pietismo é uma visão que olha para o mundo mais amplo como uma questão de extrema insignificância, pois se foca exclusivamente em tornar a alma individual melhor. Radicalmente individualista e profundamente gnóstico, o movimento evita o envolvimento político, denigre o exercício do domínio e algumas vezes faz adições à lei de Deus. Isso, sem dúvida, nunca deveria ser confundido com piedade, que é algo bom. Piedade é santidade no caráter, um zelo de crescer em graça e sabedoria, dar muito fruto do Espírito. Porque essas duas coisas são frequentemente confundidas, não é incomum aqueles mais relaxados na busca da santidade acusar os mais zelosos de pietismo. De forma semelhante, não é incomum alguns que são apaixonados em reafirmar os direitos régios do Rei Jesus, que anseiam em ver o Seu reino reconhecido, desdenhem a busca da piedade pessoal como uma distração.”[1]

João Calvino, reformador francês, afirmou sobre o Cristão ocupar lugares na política: 
“Onde quer que os profetas falam do Reino de Cristo, é dito que os reis viriam adorá-lo e homenageá-lo (Is. 49). Não é dito que eles abandonariam o ofício para se tornarem cristãos, mas, em vez disso, que na dignidade real, se sujeitariam à Jesus Cristo como o Soberano Senhor. Davi disse o mesmo e exortou que eles cumprissem suas funções. Não disse para lançarem fora seus diademas ou cetros, mas somente para beijar o Filho (Sl 2), isto é, para homenageá-Lo e serem sujeitos à Ele no governo. Ele fala do Reino de Nosso Salvador Jesus Cristo e ele manda que todos os reis e superiores sejam sábios. O que é essa sabedoria? Que lição ele dá? De abrir mão de tudo? Não, mas de temer a Deus e honrar Seu Filho. Além disso, Isaías profetizou que os reis seriam como aios e que as rainhas seriam como as suas amas (Is. 49). Eu pergunto, como é possível dizer que os reis são protetores da Igreja Cristã e, ao mesmo tempo, dizer que a posição que eles ocupam não condiz com o Cristianismo? Se o Senhor lhes coloca nessa posição, conforme dizem os profetas, então já provamos nossa posição. Considerando que Ele deu à eles um lugar tão honroso da comunhão de Seu povo, de ordenar que sejam protetores de Sua Igreja, que imprudência é essa de excluí-los?”[2]

O verdadeiro Cristianismo oriundo da Reforma Protestante defende a soberania de Cristo sobre o homem todo. As instituições humanas são meramente a ação do homem posta em prática e, como tais, também estão sujeitas ao governo e ao senhorio de Jesus Cristo. O Cristão deve, por causa do Pacto de Domínio (e da Grande Comissão, onde ele foi reafirmado) lutar por ver o senhorio de Cristo reconhecido em todas a áreas da vida e das relações sociais humanas. Baseando-se nisso é que desenvolveremos alguns ensinos bíblicos sobre a política.
              

Estado


O estado é, segundo o dicionário Houaiss, o “conjunto das instituições (governo, forças armadas, funcionalismo público etc.) que controlam e administram uma nação.” O estado é, em outras palavras, a instituição social que detém o monopólio da coerção.

Deter o monopólio da coerção significa ter a autoridade moral de iniciar o uso de violência para forçar um indivíduo a agir contra sua vontade. Sendo esta a prática essencial do estado, é extremamente necessário estudarmos o que diz a Bíblia sobre ele. O estado deveria existir? Se sim, quais os limites de sua atuação? Ele deve proibir o quê? Se não, quem cuidará de manter a ordem social? Seria mesmo necessário ter alguém cuidando da ordem social?

Para que possamos responder a essas perguntas, precisaremos do auxílio do nosso texto bíblico principal para esta presente lição: Romanos 13:1-6.
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço.
Existem diversos textos na Bíblia tratando sobre política. Creio que este texto paulino é o mais enfático em seu ensino. Vamos sintetizá-lo em alguns pontos chaves, nos quais vamos focar nesta presente lição. São eles:

1. A legitimidade do estado
2. A descentralização de poder
3. A função do estado
4. A idolatria ao estado
5. O estado de bem-estar social

1. A legitimidade do estado


O apóstolo Paulo é enfático: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores.” Com ele concorda Pedro, que diz “Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem” (1 Pedro 2:13-14). Não há dúvidas bíblicas sobre a legitimidade do poder civil.

Existem filosofias humanas que pregam que o mundo estaria melhor se não houvesse governo algum. Tais filosofias são chamadas anarquistas. O termo anarquia vem do grego e significa literalmente “ausência de governo”. Existem anarquistas de diversas correntes. Existem os anarco-comunistas, que preveem uma sociedade sem estado e sem propriedade privada, vivendo em comunidades onde todos os meios de produção sejam compartilhados.
Existem, também, os anarco-capitalistas, que prevem uma sociedade onde todas as necessidades sociais seriam providas pelo mercado, inclusive a aplicação da justiça.

O apóstolo São Paulo, em sua epístola, e Pedro, na sua, negam firmemente qualquer posição anarquista. O estado é o ministro de Deus para aplicar Sua lei à sociedade, de modo a promover a ordem e a cooperação entre os indivíduos. Jesus também ensinou a legitimidade dos governos humanos. Cito agora dois textos em que o Senhor nos ensina que a existência de hierarquias civis é legítima.
Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. (Lucas 20:25)
Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem. (João 19:10-11)
A Bíblia por toda parte ensina que são legítimas as autoridades civis. Se os escritores bíblicos estão certos, os anarquistas necessariamente estão errados. O governo civil é uma instituição pós-queda, ou seja, foi instituído após a queda de Adão. A sua existência  deriva-se da necessidade de refrear o mal e baseia-se, portanto, na maldade inata do ser humano, que é a doutrina da depravação total.

2. A descentralização de poder


Paulo afirma que os homens devem estar sujeitos às autoridades superiores. Fala como de muitas, e não de uma só. Isso seria relevante? Sim, muito. Ao passo que Deus estabeleceu as autoridades civis como legítimas e necessárias, ele também determinou que não existisse uma única cadeia hierárquica vertical, mas muitas. Deus estabeleceu a divisão de poder. Gary North diz que “Deus estabeleceu jurisdições concorrentes para eliminar a possibilidade de uma tirania central absoluta.”[3]
              
Após o dilúvio, quando Deus julgou a raça humana, os homens novamente inflamaram-se contra Ele e planejaram estabelecer uma tirania global cujo objetivo era unir a humanidade e desafiar a soberania de Deus. Planejaram a construção de uma torre altíssima, capaz de suportar a fúria de um novo dilúvio. Naquela época, os homens estavam organizados numa estrutura social monolítica. Havia uma só língua e, provavelmente, um só governo. Para evitar o mal que intentava, lemos em Gênesis 11:6-8 que o Senhor confundiu-lhes as línguas e os espalhou sobre a terra.
E o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o SENHOR os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. (Gênesis 11:1-8)
Os seres humanos são naturalmente inclinados à corrupção, à maldade (Romanos 3:10). Suas línguas são naturalmente maledicentes, seus pés naturalmente correm para derramar sangue e sua vontade natural é de apropriar-se do que é de outrem pela força, e não pelo trabalho e pela cooperação. Vimos que Deus instituiu o governo como o poder necessário para frear a maldade do homem e permitir um desenvolvimento social saudável. Entretanto, como os governos são também formados por homens, eles são propensos à corrupção e à maldade da mesma maneira que o são os indivíduos. Na verdade, por serem dotados de grande força (militar) e autoridade, é extremamente perigoso que homens iníquos tomem o poder. Hitler não teria conseguido muita coisa se não tivesse alcançado tamanho poder político na Alemanha do pós-guerra. Sozinho ele não cometeria genocído algum.

Então, para frear a maldade dos governos é da vontade de Deus a instituição de hierarquias diversas e concorrentes entre si. Um governo centralizado é um governo onde todo o poder está concentrado nas mãos de uns poucos indivíduos, ou de uns poucos grupos de indivíduos.

Um governo descentralizado, por outro lado, é um governo onde o poder é mais local, dividido entre as diversas províncias do país ou região. Em tese, num governo assim, a função do governo central é mais representativa do que executiva. 

A divisão de poderes pode ser vertical, horizontal ou bidirecional. Os estados modernos são baseados no princípio da divisão de poderes. Existem, em geral, dentro de um mesmo estado, três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Ambos devem literalmente concorrer e fiscalizar o outro com vistas à evitar a tirania e garantir a liberdade. Isto é o que eu chamaria de divisão horizontal. A divisão vertical é o poder repartido em esperas local, regional e nacional. No nosso caso, cada um dos três poderes horizontais tem suas  representações locais (municípios), regionais (estados) e nacionais (União).

Seria a divisão de poderes suficiente para garantir a ordem, a paz e a justiça? Não. Saiba por que na próxima seção.