quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Spurgeon discorrendo sobre a polêmica discussão entre arminianos e calvinistas

Bookmark and Share Bookmark and Share

A polêmica que tem prosseguido entre os calvinistas e os arminianos é sumamente importante, mas não envolve a questão crucial da santidade pessoal de tal forma que torne a vida eterna dependente de se esposar um ou outro desses sistemas teológicos. Entre os protestantes e os papistas há polêmicas dessa natureza, de modo que aquele que é salvo, por um lado, pela fé em Jesus, não ousa concordar que seu oponente, do lado oposto, possa ser salvo no que depender de suas próprias obras. Ali, a polêmica é por vida ou morte, porque gira sobre a Doutrina da Justificação pela Fé, a qual Lutero apropriadamente chamou de "a doutrina de verificação", pela qual uma Igreja permanece ou cai. A polêmica, novamente, entre o crente em Cristo e o Sociniano, é uma que concerne a um ponto vital. Se o Sociniano estiver correto, estamos em abominável erro, e nós de fato somos idólatras – como haveria de habitar em nós a vida eterna? E se estamos corretos, nossa maior caridade não nos permitiria imaginar que um homem pode entrar no Céu sem crer na real divindade do Senhor Jesus Cristo. Há outras polêmicas, portanto, que atingem o centro, e tocam a própria essência da questão.

Eu entendo, porém, que todos estamos livres para admitir que, conquanto John Wesley, por exemplo, em tempos recentes defendeu com zelo o arminianismo, e por outro lado, George Whitefield com igual fervor lutou pelo calvinismo, nenhum de nós deve estar preparado, seja em que lado estivermos, para negar a santidade de um ou de outro. Não podemos fechar nossos olhos para o que cremos ser o crasso erro de nossos oponentes, e devemos nos achar indignos do nome de homens honestos, se pudermos admitir que eles estejam certos em todas as coisas, e nós também o estejamos! Um homem honesto tem um intelecto que não o permite crer que "sim" e "não" podem ambos subsistir ao mesmo tempo e serem ambos verdadeiros. Não posso dizer "é", e meu irmão, à queima-roupa, dizer "não é", e ambos estarmos corretos quanto ao assunto! Estamos dispostos a admitir – de fato, não ousamos dizer o contrário – que a opinião neste assunto não determina o estado futuro ou mesmo o presente, de qualquer homem!

Ainda assim, entendemos que ele é tão importante que, ao manter nossa posição, prosseguimos com toda a coragem e fervor de espírito, crendo que estamos fazendo a obra de Deus, e mantendo as mais importantes verdades de Deus. Pode ocorrer nesta tarde que o termo "calvinismo" seja usado com frequência. Não seja ele al-compreendido: só usamos o termo por brevidade. A doutrina que se chama de "calvinismo" não surgiu com Calvino; cremos que ela surgiu do grande Fundador de toda a verdade. Talvez o próprio Calvino tenha se baseado nos escritos de Agostinho. 
Agostinho baseou suas opiniões, sem dúvida, pelo Espírito de Deus, do diligente estudo dos escritos de Paulo, e Paulo os recebeu do Espírito Santo, de Jesus Cristo, o grande Fundador da dispensação cristã. Usamos o termo, portanto, não porque atribuamos qualquer importância extraordinária ao fato de Calvino ter ensinado estas doutrinas. Nós nos disporíamos a chamá-las por qualquer outro nome, se encontrássemos um pelo qual elas fossem melhor compreendidas, e o qual condissesse com a realidade. E, de novo, nesta tarde, provavelmente teremos de falar dos arminianos, e com isso, não insinuamos, em momento algum, que todos aqueles que pertencem ao grupo arminiano mantêm essas opiniões em particular. Há calvinistas ligados a igrejas calvinistas, que não são calvinistas em suas opiniões, carregando o nome mas descartando o sistema. Há, por outro lado, não poucos nas igrejas metodistas que, na maioria dos assuntos, concordam perfeitamente conosco, e creio que se a questão fosse peneirada a fino descobriríamos que concordamos mais em nossas opiniões particulares do que em nossas confissões públicas, e nossa religião devocional é mais uniforme do que nossa teologia. Por exemplo, o hinário do Sr. Wesley, o qual pode ser contemplado como uma declaração de sua teologia, tem nele alguns itens de calvinismo mais elevado do que muitos dos livros que nós usamos! Eu já fui grandemente tocado pelas fortes expressões que ele emprega, muitas das quais eu mesmo teria hesitado em usar.
(...)
Em vista de bons e abundantes frutos como estes versos, sou compelido a dizer que, ao atacar o arminianismo, não nutrimos hostilidade aos homens que carregam esse nome ao invés da natureza desse erro, e nos opomos não a qualquer grupo de homens, mas às idéias que eles esposam.



Trecho de Exposição sobre as Doutrinas da Graça Exposição, pronunciada na quinta-feira, 11 de abril de 1861, pelo Rev. C. H. Spurgeon.