segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Espírito Santo - O Santificador (por R. C. Sproul)

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Você já se perguntou por que o Espírito Santo é chamado de "o Espírito Santo"? É claro que ele é santo, mas Deus, o Pai, também é conhecido por sua santidade imaculada, e essa santidade também é um atributo de Deus, o Filho. Não há nenhum sentido em que o Espírito Santo possui um grau ou medida maior de santidade do que os outros dois membros da Trindade. Portanto, não é a sua santidade superabundante que nos leva a chamá-lo de Espírito Santo. De modo semelhante, o Espírito é realmente um espírito, mas Deus, o Pai, também é um espírito, e Deus, o Filho, é um espírito em seu ser, como o Logos, a segunda pessoa da Trindade. Evidentemente, não é pelo fato de ser um espírito que designamos a terceira pessoa da Trindade como o Espírito Santo. 

Há duas razões por que a terceira pessoa é conhecida como o Espírito Santo. Primeira, o vocábulo santo é vinculado ao seu nome por causa da tarefa específica que o Espírito realiza em nossa redenção.

Entre as pessoas da Trindade, o Espírito é o principal agente que trabalha em favor de nossa santificação, capacitando o processo pelo qual somos conformados à imagem de Cristo e tornados santos.

Cristãos me perguntam frequentemente: "Qual é a vontade de Deus para minha vida?" Eles têm muitas perguntas a respeito de com quem se casarão, que carreira devem seguir e muitas outras decisões. Mas, a Bíblia é bastante clara a respeito da principal vontade de Deus para nossa vida. O apóstolo Paulo escreveu: "Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição" (1 Ts 4.3). Outras vezes, ouço cristãos falarem a respeito de serem guiados, pelo Espírito, a fazer algo. Sim, às vezes o Espírito Santo guia pessoas a destinos ou a realizações específicas, mas, conforme mostrado na Escritura, o guiar do Espírito se direciona, primariamente, à santidade. O seu poder, que opera em nós, nos ajuda a crescer em santidade. Precisamos ser diligentes em ler as Escrituras, para aprendermos sobre a vontade de Deus e o guiar do Espírito, e não simplesmente ouvirmos os ensinos populares da subcultura cristã em que vivemos. Portanto, uma razão fundamental por que o Espírito é chamado o Espírito Santo é por causa de sua obra específica de capacitar os seguidores de Cristo, em sua busca por santificação.

Em segundo lugar, a terceira pessoa da Trindade é chamada "o Espírito Santo", porque há mais do que um tipo de espírito. As Escrituras fazem distinção entre o espírito do homem e o Espírito de Deus. Entretanto, muito mais importante para esta nossa consideração é o fato de que a Bíblia fala de espíritos malignos, espíritos que não são de Deus, espíritos demoníacos que desejam impedir o progresso dos cristãos, em sua busca por santificação. A diferença crucial entre estes espíritos e o Espírito Santo é precisamente o aspecto da santidade. Os espíritos malignos são impuros, mas o Espírito Santo é totalmente puro. É por causa desta distinção que o apóstolo João nos adverte: "Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos, se procedem de Deus" (1 Jo 4.1).

JUSTIFICANDO NOSSO PECADO

Enfatizo estes assuntos por esta razão: no mundo cristão, muitos de nós somos mestres em justificar nosso pecado; e uma das principais maneiras pela qual fazemos isso é por dizermos que fomos guiados a fazer tal coisa, e que fomos guiados pelo Espírito. Este não é um problema que encontro apenas a cada dez anos. Pelo menos uma vez por semana, falo com cristãos professos que me dizem estarem pedindo divórcio sem bases bíblicas, ou entrando em um novo casamento, em oposição às qualificações bíblicas para o casamento, ou administrando um negócio de acordo com princípios não bíblicos. Estão fazendo isto e aquilo e, sem falhar, me dizem que se sentem livres para fazê-lo, porque "Eu orei sobre isto, e Deus me deu paz" ou "O Espírito Santo me guiou a fazer isto". 

Quando ouço esse tipo de justificativa para comportamentos antibíblicos, entendo que pessoas podem crer, realmente, no que estão me dizendo, mas não estão falando a verdade. Estão falando em erro - erro muito sério. Sei disto por duas razões; e estas razões estão fundamentadas em duas designações cruciais sobre o caráter do Espírito de Deus. A primeira é que ele é o Espírito Santo. A segunda é que Jesus o chamou, repetidas vezes, de "o Espírito da verdade" (Jo 14.17; 15.26; 16.13). O Espírito Santo nunca nos incita a fazer algo que é impuro. Também nunca nos inclina a abraçar uma mentira.

Costumamos nos referir à Bíblia como a Palavra de Deus, e isto é verdade. Uma das razões por que a igreja tem confessado sua fé de que as Escrituras são a Palavra de Deus é a afirmação bíblica de que as palavras da Escritura Sagrada foram, originalmente, inspiradas por Deus, o Espírito Santo. Evidentemente, a Bíblia nos ensina que o Espírito Santo não somente inspirou a redação dos livros bíblicos, ele também opera para iluminar as Escrituras e aplicá-las ao nosso entendimento. Paulo escreveu: "Deus não é de confusão" (1 Co 14.33), e isso inclui o Espírito Santo. Isto significa que o Espírito Santo nunca nos ensina a fazermos algo que ele proíbe, explicitamente, na Escritura Sagrada.

Portanto, quando a Bíblia diz que devemos provar os espíritos, para sabermos se procedem de Deus, como devemos fazer isso? Que tipo de teste devemos empregar? Obviamente, o teste tem de ser um teste bíblico, porque sabemos que, na Escritura, temos o ensino do Espírito da verdade. Isso implica que, se eu tenho uma inclinação, uma intuição ou um desejo interno e quero associar essa direção interna com o Espírito Santo, mas também vejo que esta inclinação em meu coração é claramente oposta ao que é ensinado na Escritura, tenho uma prova positiva de que estou confundindo lascívia, cobiça ou algum outro sentimento interno com o guiar do Espírito Santo. Isso é uma coisa horrível.

Em nossos dias, quase nunca ouvimos alguém falar sobre isto na comunidade cristã, porque os cristãos se fazem parecer espirituais, por dizerem que Deus colocou isto ou aquilo em seu coração, ou que Deus os guiou a fazerem várias coisas. Toda vez que ouço esta afirmação, quero dizer às pessoas: como você sabe que Deus colocou isso em seu coração? Como você sabe se isso não é uma manifestação de sua própria ambição ou sua própria avareza? Quero que a pessoa me mostre bases bíblicas para a sua afirmação. Como disse antes, não duvido que o Espírito Santo possa colocar um grande interesse em um crente e possa guiar um crente de maneira sobrenatural, mas ele sempre faz isto em e por meio das Escrituras. O Espírito Santo nunca age contra a sua própria revelação na Bíblia. Portanto, a maneira de testarmos os espíritos é julgá-los pela verdade do próprio Espírito.

HOSTILIDADE À DOUTRINA

Parte de nosso crescimento em santificação é crescimento em nosso entendimento das coisas de Deus. Infelizmente, tenho preocupações sérias quanto a um movimento que parece estar se espalhando pelo mundo cristão. Acho que existe, bem difundida entre nós, uma indiferença e, às vezes, uma hostilidade para com o estudo de doutrina e de teologia. Já ouvi dizer que existe, na igreja, dois tipos de pessoas: aquelas que pensam que a teologia é importante e aquelas que pensam de modo contrário. Mas havia um comentário consequente - dizia-se que as pessoas que se importam com teologia não são amorosas; e isto é problema, porque Deus está mais interessado em que sejamos amorosos do que em sabermos teologia.

Eu ficava profundamente triste quando ouvia isso. É claro que eu já tinha ouvido expressões de antipatia para com a doutrina; e garanto que o estudo de doutrina pode levar-nos a uma ortodoxia morta que não é piedosa, de maneira alguma. Acho que sabemos bem que é possível alguém estudar doutrina como um exercício intelectual e não ter amor a Deus e às outras pessoas. Mas, uma coisa bem diferente é generalizarmos este problema e concluirmos que, se buscarmos realmente o estudo da teologia cristã, não podemos ser, de maneira alguma, amorosos e que, por isso mesmo, a melhor maneira de sermos amorosos é evitarmos a teologia.

Pense na implicação disso. Essa conclusão significa que a melhor maneira de sermos amorosos é evitarmos, tanto quanto pudermos, um entendimento das coisas de Deus. O estudo de teologia é simplesmente o estudo do caráter de Deus, cuja virtude suprema é o amor. A teologia correta ensina realmente a importância do amor e nos inclina a amar o Deus das Escrituras e, também, as outras pessoas.

Essa antipatia para com a doutrina é comumente expressa no contexto de uma controvérsia teológica. Pessoas se tornam ofensivas em ambos os lados de controvérsias teológicas. Mas, outras fogem de toda controvérsia.

Elas dizem, frequentemente: "Eu não me importo com esta controvérsia ou com doutrinas em geral. Acho que precisamos ser mais amáveis uns para com os outros". Mas é amável permitir que erros teológicos sérios continuem sem confrontação? Paulo foi desamoroso quando discutiu, diariamente, em praça pública, sobre as coisas de Deus (At 17.17)? Jesus foi desamável quando contradisse os ensinos dos fariseus? Os profetas do antigo Israel não mostraram amor quando repreenderam e admoestaram os falsos profetas? Elias foi desamoroso quando disputou com os profetas de Baal (1 Rs 18)? Não consigo pensar em ninguém dentre a multidão presente naquele dia, no monte Carmelo, que disse: "Vocês, pessoal, podem seguir o Elias, se quiserem, mas eu não farei isso. Ele pode estar do lado da verdade, mas não está sendo amável. Vejam o que ele disse a estes profetas de Baal. Quão rude e insensível!" Contender pela verdade de Deus é um ato de amor e não um sinal de ausência de amor. Se amamos a Deus, se amamos a Cristo, temos de amar a verdade que define a própria essência do cristianismo.

Certa vez, ouvi outro comentário inquietante: "O cristianismo é sobre relacionamentos, não sobre proposições". A pessoa continuou, e disse que o cristianismo também se interessa pela verdade, mas eu não pude harmonizar estas duas afirmações. Se a fé cristã não envolve proposições, que tipo de verdade ela envolve? Creio que a influência do existencialismo na cultura em geral, e na igreja em particular, tem produzido algo que era desconhecido nas gerações anteriores: teologia relacional. Em termos simples, a teologia relacional é um sistema teológico que tem conteúdo e significado determinados por relacionamentos. Isto é muito próximo do puro relativismo. É o tipo de teologia que diz: se você crê que Deus é um e eu creio que Deus é três em um, o que importa é o nosso relacionamento pessoal. A verdade é determinada pelos relacionamentos, não pelas proposições. Por exemplo, se eu digo que Jesus morreu na cruz como uma expiação, e outra pessoa diz que a morte de Jesus não foi uma expiação, não discutimos o assunto, para não rompermos nosso relacionamento. O relacionamento tem de ser preservado, ainda que percamos a verdade.

O ALVO DE CONHECERMOS A DEUS

Emil Brunner, um teólogo suíço do século XX e um dos pais da teologia neo-ortodoxa, escreveu um pequeno livro intitulado Truth as Encounter (A Verdade como Encontro). Sua tese era que, quando estudamos as coisas de Deus, não estamos estudando a verdade na teoria. Queremos entender teologia não meramente para tirarmos nota A numa prova de teologia. Queremos entender a doutrina de Deus para podermos entender a Deus, de modo que possamos nos encontrar com o Deus vivo em sua Palavra e aprofundar nosso relacionamento pessoal com ele. Mas, não podemos aprofundar um relacionamento com alguém, se não sabemos nada a seu respeito. Logo, as proposições da Escritura não são um fim em si mesmas, e sim, meios para chegarmos a um fim. Entretanto, elas são o meio necessário para este fim. Portanto, dizer que o cristianismo não é sobre proposições, e sim, relacionamentos, significa estabelecer uma dicotomia falsa e extremamente perigosa. É insultar o Espírito da verdade, a quem pertencem as proposições. Estas proposições devem ser nossa comida e bebida, porque definem a vida cristã.

Recentemente, li algumas cartas enviadas ao editor de uma revista cristã. Uma das cartas menosprezava os eruditos cristãos, com intensidade elevada. O escritor da carta acusava esses homens de deleitarem-se em fazer estudo profundo das palavras dos ensinos de Cristo nas línguas antigas, para demonstrar que ele não disse o que parece dizer, em nossas versões da Bíblia. Obviamente, havia uma atitude negativa para com qualquer estudo sério da Palavra de Deus. É claro que há eruditos que são assim, que estudam uma palavra em seis línguas diferentes e acabam errando quanto ao seu significado, mas isso não significa que não devemos nos engajar em um estudo sério da Palavra de Deus, para não acabarmos nos tornando como esses eruditos ímpios. Outro escritor daquelas cartas expressou a opinião de que pessoas que se envolvem no estudo de doutrinas não se preocupam com o sofrimento que outras pessoas experimentam, neste mundo. No entanto, em minha experiência, é quase impossível passar por sofrimento e não fazer perguntas sobre a verdade. Todos nós queremos saber a verdade a respeito do sofrimento e, especificamente, onde está Deus em nosso sofrimento. Há uma preocupação teológica. A resposta nós obtemos nas Escrituras, que nos revelam a mente de Deus por intermédio do Espírito Santo, que é chamado o Espírito da verdade. Não podemos amar realmente a Deus, se não amamos a sua verdade.

É muito triste, para mim, o fato de que, na sofisticada cultura ocidental de nossos dias, as pessoas sejam mais familiarizadas com os doze signos do zodíaco do que com as doze tribos de Israel ou com os doze apóstolos. Nosso mundo gosta de ver a si mesmo como tão sofisticado e tecnológico, mas continua cheio de superstição. Os cristãos não estão imunes a isso. Nós também podemos sucumbir ao desejo da nova era, por poder para manipular nosso ambiente. Não precisamos chegar ao ponto de aceitar a ideia insensata de que o curso das estrelas determina o nosso destino, nossa prosperidade, nossas realizações e nosso sucesso. No entanto, é igualmente supersticioso equiparar nossos sentimentos e inclinações com o guiar do Espírito Santo. Parece muito mais extasiante vivermos com uma abertura irrestrita à orientação do Espírito, em vez de praticarmos a laboriosa disciplina de conhecermos bem a sua Palavra. Isto é extremamente perigoso. Se quisermos fazer a vontade do Pai, precisamos estudar a Palavra do Pai e deixar a mágica para os astrólogos.


Extraído do capítulo 4 do livro "Quem é o Espírito Santo?" (R. C. Sproul) da Editora Fiel.