segunda-feira, 17 de março de 2014

O Sínodo de Dort (por Juliano Heyse) parte 01 de 03

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Extraído de: Bom Caminho

Contexto histórico

Antes, porém, convém nos situarmos no tempo. Em 1517, Lutero publica as 95 teses (o início da Reforma Protestante). Quatro anos depois ele é "convidado" a se retratar na Dieta de Worms e lá ele faz o rompimento definitivo com a igreja católica, atrelando sua consciência à Palavra de Deus. Mais tarde, em 1536, na cidade de Genebra, Calvino publica a primeira edição das Institutas da Religião Cristã -  a melhor e mais completa sistematização da doutrina protestante até então. Aperfeiçoamentos ocorreram e a edição definitiva só foi fechada 23 anos depois, em 1559. Em 1564, Calvino morreu. Lutero já havia morrido, antes, em 1546. Os dois mais importantes reformadores já não viviam mais sobre a terra quando a nossa história começou.

Quanto a Armínio, muitas pessoas pensam que ele e Calvino travaram calorosos debates em que se digladiavam ferozmente em defesa das suas respectivas posições. Não seria totalmente impossível, mas considerando-se que Armínio tinha quatro anos de idade quando Calvino morreu, não parece razoável imaginar tal quadro. A verdade é que eles jamais se conheceram.

Igreja Reformada Holandesa

Mas vamos à nossa história. Voltamos a nossa atenção para a Holanda, que na época era conhecida como Países Baixos (o território que hoje é ocupado por Bélgica, Holanda e Luxemburgo). É lá que toda a trama acontece. Na época da Reforma o Rei da Espanha, Filipe II, governava os países baixos. O crescimento do protestantismo foi severamente coibido com fortíssimas perseguições e mortes. Estima-se que dezenas de milhares de protestantes foram mortos pelos dirigentes católicos que governavam o país.

A revolta contra os espanhóis foi crescendo até que Guilherme de Orange conseguiu, depois de muitas tentativas, conquistar a tão sonhada independência, mais tarde consolidada por seu filho Maurício de Nassau. Surgia uma nova nação protestante já que o país era, naquela época, de maioria calvinista. Os novos líderes resolveram adotar a religião reformada como religião oficial, utilizando-a como elemento de integração e estabilidade do novo país. Todos os oficiais da igreja reformada holandesa tinham que jurar seguir a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg.

É importante ter em mente a forte ligação entre o estado e a igreja, comum nos tempos da reforma. Só que na Holanda as igrejas tinham uma autonomia relativamente grande, podendo nomear seus oficiais e exercer disciplina sobre os membros. Isso perturbava alguns membros do Estado. Em 1591, uma comissão, presidida por Johannes van Oldenbarnevelt e James Arminius, propôs uma estrutura mais ao gosto do poder secular: a escolha de oficiais da igreja passaria a ser feita por um grupo de representantes (quatro do Estado e quatro da igreja). Isso permitiu uma ingerência muito maior do Estado nos assuntos da igreja. Esta situação - a história mostra - costuma causar problemas. Levando-se em conta que outras religiões eram meramente toleradas (mas não tinham nem o direito de ter seus próprios templos), muitas pessoas vieram para a igreja, cuja vinda não teria ocorrido caso a igreja não fosse oficial do Estado holandês. Repetia-se algo como nos tempos do imperador romano Constantino - a igreja passava a atrair pessoas não regeneradas, muitas vezes com segundas intenções.

A Controvérsia Arminiana

Nessas condições, favoráveis por um lado, mas perigosas por outro, é que surgiu a Controvérsia Arminiana. Duas questões foram levantadas na época - uma doutrinária e outra de política eclesiástica. 
Primeiro: O ensino de James Arminius era compatível com a Confissão Belga e com o Catecismo de Heidelberg? Afinal, todos os oficiais da igreja haviam se comprometido a permanecerem fiéis a ambos os credos. 
Segundo: Caso o ensino não estivesse de acordo, a igreja reformada teria poder para destituir aqueles que pregavam doutrinas que conflitavam com aqueles credos?

A questão da autoridade tornou-se problemática porque o governo insistia em manter nos ofícios eclesiásticos pessoas que a igreja considerava que deviam ser destituídas. Dessa forma, entre 1586 e 1618 aumentou muito o número de ministros que permaneciam nas igrejas contra a vontade da congregação e das assembléias eclesiásticas. As igrejas, intranqüilas, exigiam a convocação de um sínodo nacional para esclarecer a situação. Mas o governo central temia o crescente poder das igrejas reformadas e insistia em não permitir a convocação do sínodo.

Foi em meio a tudo isso que James Arminius surgiu - um personagem controverso. Era considerado até pelos seus opositores como sendo um pastor fiel, bom cristão, sóbrio, moderado, homem sincero e de raras habilidades intelectuais. Mas é difícil não concordar com a principal acusação que ele sempre carregou: era um homem que sofria de uma certa "duplicidade". Isso ficará claro quando analisarmos a sua história nos próximos parágrafos.