sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Por que Cristo Não Sabia o Tempo de Sua Volta? (por C Michael Patton)

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Qual é a passagem mais confusa da Escritura? Eu sei, eu sei, é difícil de escolher. Há uma série de passagens que nos fazem coçar a cabeça. Por exemplo, quem eram os "filhos de Deus" que se casaram com as filhas dos homens em Gênesis 6: 4? E quem eram os "homens de renome", que eram seus descendentes? Por que Deus alistou um espírito enganador em 1 Reis 22: 19-23 por Sua própria iniciativa? Ou o que significa ser "batizado pelos mortos" em 1 Coríntios 15:29? No entanto, uma que tem que estar na lista dos dez principais de quase todos os evangélicos é quando Cristo disse que Ele não sabia o tempo de Sua segunda vinda. Lemos sobre isso em Mateus 24:36: "Mas daquele dia e hora [de minha vinda] ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai." 
Quero dizer, vamos lá. . . 
Eu posso entender os anjos não saberem, mas Cristo? Cristo não saber alguma coisa é absolutamente confuso. Como poderia Cristo, sendo o eterno, transcendente, e onisciente (ou seja, Ele sabe tudo) não saber alguma coisa? No entanto, encontramos estes momentos singulares, aqui e ali, onde Cristo parece não ter informações que Sua onisciência deveria ter fornecido. Outro exemplo possível é quando Cristo não parece saber quem O tocou e foi curado (Mc 5:31). Ou quando Ele orou para que o cálice do sofrimento, se possível, fosse passado dEle (Mat. 26:39). Ou quando Lucas diz que Cristo "crescia em sabedoria" (Lucas 2:52). A questão é esta: como Deus pode ser desconhecedor de alguma coisa?

Aqueles que negam a divindade de Cristo, muitas vezes usam essa passagem em Mateus 24 (e outras como ela) para dizer que Cristo não deve ter sido verdadeiramente Deus. Afinal, se Cristo era Deus, eles argumentam, Ele teria sabido tudo. No entanto, penso que isso representa um equívoco muito comum e fundamental da missão de Deus em Cristo e da relação entre a natureza divina de Cristo e de Sua natureza humana.


Agora, vamos começar com um gráfico!


Para garantir o Seu direito de ser o segundo Adão e representar a humanidade na cruz, Cristo teve que ser plenamente humano. Mas, a fim de representar Deus para para o homem e oferecer o sacrifício expiatório para o Pai, Cristo tem de ser plenamente Deus. Portanto, após a encarnação, Cristo tinha duas naturezas completas, em uma só pessoa. 
Pegou essa? Duas naturezas, uma pessoa. 
Este gráfico ilustra o estado de coisas em que Cristo estava enquanto estava na terra antes da ressurreição. Observe que as duas naturezas de Cristo não "comunicam-se" entre si. Isso não significa que eles não falam, isso significa que as naturezas não se misturam. Em outras palavras, os atributos ou as propriedades de uma natureza não altera as propriedades ou atributos da outra. Embora a natureza divina de Cristo seja eternamente onipresente, isso não faz a Sua natureza humana onipresente. Da mesma forma, embora a natureza humana de Cristo tenha sido limitada pelo tempo e pelo espaço, isso não afeta Sua natureza divina. A Definição de Calcedônia, em 451 diz que as duas naturezas de Cristo eram "sem confusão" e "sem mudança." Se a natureza humana de Cristo se misturasse com a natureza divina, Cristo teria que ser alguma outra coisa toda junta. Ele teria sido um "humino¹". Portanto, Ele só poderia representar outros huminos na cruz. Mas, para nos representar, Ele tinha que ter uma humanidade imaculada e completa.

Mas, embora as naturezas humana e divina nunca comunicam suas propriedades entre si, como veremos, é possível para elas comunicarem suas propriedades para a única pessoa de Cristo. Isso é muitas vezes referido como o idiomatum communicatio ("comunicação de propriedades"). Berkhof fala nisso desta maneira: "as propriedades de ambas, as naturezas humana e divina, são agora as propriedades da pessoa e, portanto, é atribuída à pessoa" (Berkhof, L., Teologia Sistemática, WM. B. Eerdmans Publishing Co.; Grand Rapids, Michigan, 1988, p. 324.)

Por enquanto tudo bem?

Agora, observe que, no meu gráfico, antes da ressurreição a natureza humana comunica seus atributos para a pessoa de Cristo, mas a natureza divina não. Por quê? Porque Cristo tinha que viver como um ser humano, completamente dependente de Sua natureza humana para atravessar esta vida. Por quê? Porque essa é a maneira como você e eu temos que viver. Não podemos utilizar de onisciência, onipresença ou onipotência para nos ajudar a viver. Quanto mais fácil as coisas seriam se pudéssemos! Mas Cristo veio para nos representar. Por isso, Ele teve que viver como nós, na dependência total de Deus para Sua vida. É claro que Cristo ainda tinha "acesso a" Sua natureza divina, poder e propriedades a qualquer momento uma vez que Ele sempre foi totalmente divino. Com o estalar de um dedo Ele poderia ter feito isso:

No entanto, se Cristo tivesse acessado Sua natureza divina para atravessar esta vida nós teríamos perdido a nossa representação e salvação, porque nós não teríamos quem servisse como o "novo Adão".

Pense sobre isso: Qual foi a primeira tentação que Satanás trouxe para a mesa quando confrontava Cristo no deserto? Lembra-se? Era transformar uma pedra em pão (Lucas 4: 3). Este é o plano diabólico de Satanás? Fazer com que o Filho de Deus transforme uma pedra em pão? É algum pecado eterno? Os homens não devem transformar pedras em pão quando estão com fome? Afinal de contas, Cristo transformou alguns peixes em milhares de peixes e alguns pães no suficiente para alimentar cinco mil em seu ministério mais tarde. Portanto não há obviamente um problema com a saciedade da fome através de meios milagrosos. Então, por que Satanás tenta Cristo de tal forma? O que ele estava tentando fazer? 
Bem, considerando obrigação de Cristo de viver de acordo com a Sua humanidade, Satanás estava tentando-o para acessar Sua natureza divina, para a auto-humilhação. Isso teria imediatamente O desclassificado a ser o nosso representante, já que nem eu ou você podemos transformar as pedras em pão quando estamos com fome.

Observe como Donald MacLeod coloca quando fala sobre a tentação de Cristo de Satanás:

"Parte da verdade aqui é sugerida pela primeira das três tentações no deserto: 'manda que estas pedras se transformem em pães" (Mt. 4: 3). A essência da tentação era que o Senhor repudiar as condições da encarnação e utilizasse Sua onipotência para aliviar os desconfortos da Sua auto-humilhação. Ele poderia ter transformado as pedras em pão. . . Mas este último teria desfeito o Seu trabalho, tão certo como o primeiro. Cristo teve que submeter-Se a conhecer de forma dependente e conhecer parcialmente. Ele teve que aprender a obedecer sem conhecer todos os fatos e acreditar sem estar na posse de todas as informações. Ele teve que abrir mão do conforto que a onisciência, às vezes, têm trazido. " (The Person of Christ, 169)

O ponto é que Cristo teve que viver como um ser humano, com todas as limitações de um ser humano. Assim, quando se trata de Cristo não saber o tempo de Sua vinda, não devemos ficar surpresos. Cristo só sabia o que precisava ser conhecido, a fim de cumprir Sua missão. 
Soa familiar? Isso é justamente como você e eu vivemos, com um grande grau de incerteza a cada dia. Não podemos olhar para a frente para o futuro e ver o que vai acontecer amanhã. Quanto mais fácil as coisas seriam se pudéssemos? Mas não podemos; portanto, Cristo não poderia também. 
Eu acredito que o que Ele sabia e fez foi tudo sob a mão provisória do Pai, através do poder do Espírito.


MacLeod continua:

"A outra linha de integração entre a onisciência da natureza divina e a ignorância do ser humano é que, assim como Cristo teve de cumprir o ofício de Mediador dentro das limitações de um corpo humano, então Ele tinha que cumpri-la dentro das limitações de um mente humana. "(ibid)
"Onisciência era um luxo sempre ao alcance, mas incompatível com Suas regras de engajamento. Ele teve de servir dentro das limitações de finitude. "(Ibid)

Millard Erickson compartilha pensamentos semelhantes:

"Talvez pudéssemos dizer que Ele [Cristo] tinha conhecimento, conforme era necessário para que Ele cumprisse a Sua missão; em outros assuntos Ele era tão desconhecedor quanto nós " (Teologia Cristã, Baker, 726; Leon Morris compartilha dos mesmos pensamentos em "Senhor do Céu", 48).

E depois há o meu (cof cof²) amigo (a quem eu persigo) Thomas Oden:

"Durante seu ministério terreno, a comunicação do poder divino a Jesus humano foi administrado pelo Espírito Santo, em quem Ele sempre confiou. Jesus ensinou, agiu e sofreu o que o Espírito habilitou, dirigiu e permitiu. "
"Houve suficiente comunicação de capacitação divina a Jesus, conforme era necessário para cada fase do cumprimento de Seu cargo de Mediador" (A Palavra de Vida, Prince Press, 183-184).

Portanto, Cristo não sabia o tempo de Sua vinda porque Ele não precisava saber para cumprir Sua missão.


Depois da ressurreição, no entanto, a pessoa de Cristo recuperou o acesso integral à Sua natureza e propriedades divinas e elas foram, mais uma vez, comunicadas à Sua pessoa. Esta é a forma como Cristo parece agora:


Observe porém que, na minha opinião, ainda não há comunicação de propriedades ou atributos entre as duas naturezas de Cristo. A natureza humana de Cristo, mesmo após a ressurreição, não se torne divinizada. Esta é a opinião da maioria dos teólogos reformados. A pessoa de Cristo é onipresente, onipotente e onisciente hoje. Ele sabe a hora de Sua vinda agora. Ele sabia disso quando os discípulos perguntaram antes dEle subir (Atos 1: 6). No entanto, Sua natureza humana ainda é limitada em todos os aspectos que a humanidade é (e sempre será) limitada. 
O corpo da ressurreição de Cristo está em algum lugar agora. Ele não pode estar em toda parte. Por quê? Porque isso é uma limitação da humanidade. Portanto, quando os católicos, luteranos, e Ortodoxa Oriental diz que o corpo de Cristo pode estar em inúmeros lugares ao redor do mundo durante a Ceia do Senhor, eles estão expressando sua opinião de que de alguma forma após a ressurreição pode haver uma comunicação entre as duas naturezas de Cristo (apenas apague essa linha bloqueando as naturezas humana e divina na ilustração e você verá o que quero dizer). No entanto, acredito que Cristo ainda nos representa como nosso sumo sacerdote e pioneiro para a nova vida e ressurreição. Por isso, Ele ainda tem uma natureza humana completa e imaculada.

Deixando de lado as questões discutíveis, uma coisa é clara: Cristo realmente simpatiza conosco em tudo o que somos. Eu não sei sobre você, mas esse fato me conforta muito. Conforta-me saber que Cristo tinha as mesmas limitações que eu tenho. Isso me permite saber que quando eu me volta a Ele na hora da necessidade, Ele realmente entende.

"Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo." (Hebreus 2:17)


Traduzido de:
http://www.reclaimingthemind.org/blog/2012/02/why-didnt-christ-know-the-time-of-his-coming/

¹ humino: humano + divino

² cof cof: no texto original aparece como ahem, que corresponde em inglês a essa onomatopeia de uma tosse irônica.