segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A Bíblia Prova que Deus Não Existe?? - Onisciência, Lógica e Moralidade (parte 01 de 02)

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A resposta para a pergunta do título do artigo é óbvia, considerando o próprio absurdo da pergunta em si, mas nem todos pensam que seja bem assim..
Recebi um vídeo em que um jovem (que não conheço) se propõe a tentar provar que através da própria bíblia podemos inferir que Deus não existe..
(O vídeo pode ser visto aqui:  Bíblia Prova que Deus Não Existe?)
Esse artigo tem a intenção de mostrar o contrário (apesar da obviedade), tratando alguns dos principais pontos que o autor do vídeo tentou usar a seu favor. 

Preparei esse texto em parceria com os irmãos Macedo (calma, nada a ver com o Edir.. rs): Filipe e Lucas
Eles possuem uma página no facebook (Comece com Deus) e um canal no youtube (CCD Podcast) muito bons, em que tratam vários temas de forma apologética com as Escrituras como pressuposto.

A inconsistência das premissas

Antes de adentrar nos conceitos que o autor defendeu no vídeo, é necessário informar que ele infelizmente chega a determinadas conclusões que considera inegáveis, partindo de premissas falsas. Na verdade, a partir de uma interpretação errada (proposital ou não), o autor chega a uma conclusão e depois usa tal conclusão (falsa) como premissa para uma nova conclusão.. Obviamente o resultado é uma furada.

O próprio autor provavelmente tinha noção disso, e por isso mesmo tantas vezes se esforça em tentar antecipar os argumentos que naturalmente receberia contra suas afirmações, mas também falha ao ser superficial nisso.

Entre várias "reclamações" sobre o que é necessário para que se faça uma análise honesta da bíblia, o autor argumenta que Deus deveria garantir que todas as traduções da bíblia estivessem corretas. O que é ridículo.
Se a tradução fosse perfeitinha, ele acusaria os cristãos de conspiração (afinal, como diferentes grupos de pessoas em diferentes agências de tradução literária poderiam traduzir tudo em plena concordância quando o alvo de tradução é uma língua antiga?), e como poderia então Deus permitir tal conspiração? 
Independente da resposta, o autor acusaria Deus de imperfeição. E independente de tudo ele confunde a verdade proposicional do texto com as traduções dos textos.

Dito isso, vamos então a algumas observações sobre suas afirmações..

A bíblia como fonte dos cristãos

Mesmo afirmando que boa parte dos cristãos nominais não seguem a bíblia, o autor diz que é regra comum nesse grupo encarar a bíblia como Palavra de Deus, e inclui entre esses 'crentes' os católicos e os espíritas..
Bom, quanto ao espiritismo, não há compatibilidade com o cristianismo, uma vez que as Escrituras muito claramente proíbem e condenam práticas realizadas por essas pessoas.. No espiritismo toda a visão sobre um mundo espiritual é distinta do que a bíblia ensina, sendo que doutrinas essenciais são então negadas e redefinidas. Por exemplo, o ensino da reencarnação destoa totalmente da obra de Redenção realizada por Cristo, assim como a consulta a espíritos é algo que a bíblia proíbe terminantemente.
No catolicismo romano temos uma situação diferente, por haver de fato raízes cristãs, e doutrinas de fato bíblicas sendo cridas e ensinadas, porém é um cristianismo deturpado pelo fator comum com qualquer seita: a insuficiência da bíblia revelação de todas as coisas necessárias para a glória de Deus e para a salvação, fé e vida do homem.
Nem o espiritismo nem o catolicismo romano tomam a bíblia como única fonte de fé e prática, quando o primeiro tem sua estrutura totalmente baseada em fontes externas (Alan Kardec é o ícone dessa religião) enquanto o segundo dá á Tradição a mesma autoridade da bíblia (tendo o(s) papa(s) como guia(s) da igreja na História). Portanto nem um nem outro toma de fato a bíblia como O PADRÃO para tudo.

Para mais detalhes ler aqui:

Foi com a Reforma Protestante que esse conceito de Somente a Escritura como padrão foi resgatado, e portanto o grupo de cristãos que de fato tem esse princípio como pilar é restrito aos protestantes. E talvez até por isso mesmo, os protestantes se distinguem de católicos romanos e espíritas também no tratamento dado às boas obras, já que elas são incentivadas como fruto da salvação e não como um meio de alcançá-la (nem parcialmente).

A lógica e a moralidade

Infelizmente, o autor repete o que muitos céticos críticos do cristianismo fazem sem pensar muito: julgá-lo..

Não estou aqui dizendo que deveríamos abandonar a lógica ao abraçarmos as pressuposições cristãs, apenas aponto para o fato de que alguém que nega a existência de um Criador e alega que as existências da vida e da "não-vida" são frutos do acaso não tem qualquer base para fazer julgamentos morais (quaisquer que sejam sobre qualquer coisa). Isso já seria o suficiente para invalidar toda argumentação de um cético, mas vamos seguir..

Se a realidade que vivenciamos se originou a partir de eventos aleatórios e sem qualquer propósito, é óbvio que qualquer convenção sobre lógica e moralidade se tornam subjetivas, relativas ao invés de absolutas.
E provavelmente o autor não negue isso, se for minimamente coerente com o naturalismo filosófico, mas isso já se torna suficiente para eliminar qualquer sentido em julgamentos que ele faça sobre qualquer coisa.

Por exemplo, quando o autor diz que a bíblia é contraditória, ele toma como base uma lei lógica:
A lei da contradição significa que duas proposições antitéticas não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo sentido. X não pode ser não-X. Uma coisa não pode ser e não ser simultaneamente. E nada que é verdade pode ser auto-contraditório ou inconsistente com qualquer outra verdade.[1]
Para rebater a acusação, eu teria que pedir uma lista ao autor de tudo aquilo que ele chama de "contradição", e teria então que tratar de cada caso, observando os possíveis paradoxos ou até mistérios que ele taxaria como contradição, mas isso nem vem ao caso pois mesmo que houvesse alguma contradição o autor não poderia defini-la sem utilizar conceitos lógicos, e então se contradizer. Afinal, se ele apela para lógica, entende-se que tais leis são absolutas e sempre existentes (e aí ele fugirá de tentar explicar a CAUSA da existência dessas leis) ou que elas surgiram ao acaso sem propósito a partir de algum momento da história (e aí também fugirá de tentar explicar COMO isso aconteceu). Isso porque não faz qualquer sentido se crer que essas leis vieram do nada ou sempre existiram sem qualquer propósito envolvido.
Mas o autor poderia ainda sugerir uma terceira via, que seria a de afirmar que essas leis não são absolutas, podendo mudar ou funcionar de formas diferentes. E aí não daria pra levar mais qualquer palavra dele a sério.. Se a lógica não for absoluta, 1+1 poderia resultar em 2 ou em qualquer outro número, por exemplo. Da mesma forma, não existiria de fato uma lei da contradição, e uma coisa poderia ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, ou 2 coisas poderiam ser a mesma coisa e ao mesmo tempo não serem.

Resumindo, para que o autor chame algo de contraditório ele precisa "pegar emprestada" uma definição que sua epistemologia é incapaz de justificar por si só.

Para que haja lógica e leis universais em geral, obviamente é necessário um Legislador.

Logo, em um contexto de realidade criada pelo acaso, não haveria qualquer base para se definir o que é verdadeiro ou falso. Então dizer que Deus ou a bíblia são lendas, idiotas, etc., não passa de "faniquito" do autor, já segundo sua visão de mundo se torna impossível ele justificar isso..

E assim como a lógica não pode ser relativa e só se explica se partir de um Ser transcendente, um padrão moral relativo transforma certo e errado em meras convenções sociais e portanto se torna absurdo que o autor chame de bom ou mal algo ou alguém, pois segundo esse relativismo qualquer coisa pode ser certa ou boa, não haveria como julgar.

Em alguma parte do vídeo, o autor fala sobre Deus ter mandado Abraão matar seu filho e cita um exemplo de um homem que fez o mesmo alegando ter recebido ordens divinas. E mais uma vez pegando emprestado um padrão moral (já que sua epistemologia não lhe oferece um que seja universal), o autor diz que isso é ruim, que se Deus ordena isso então Ele é mau.
Bom, conforme já falei sobre a lógica, o mesmo se aplica à moralidade, já que na falta de um padrão objetivo e universal nada poderia ser taxado de errado ou mau, porém vale a pena falar um pouco mais sobre esse caso específico:

Deus manda pessoas matarem seus filhos??

Vamos ver o caso famoso de Abraão, conforme a bíblia apresenta:
Passado algum tempo, Deus pôs Abraão à prova, dizendo-lhe: 
"Abraão!" Ele respondeu: "Eis-me aqui".
Então disse Deus: 
"Tome seu filho, seu único filho, Isaque, a quem você ama, e vá para a região de Moriá. Sacrifique-o ali como holocausto num dos montes que lhe indicarei".
(Gênesis 22:1,2)

Há uma ordem clara da parte de Deus para que Abraão realizasse tal ato, isso é inquestionável, mas também é claro que foi uma ordem direta e EXCLUSIVA para ele. Não há qualquer base para que essa narrativa seja tomada como uma prescrição para qualquer outra pessoa que não sejam as envolvidas nesse contexto.

Mas então Deus mandou Abraão matar Isaque e aceitou esse sacrifício??
Vejamos:
Então estendeu a mão e pegou a faca para sacrificar seu filho. Mas o Anjo do Senhor o chamou do céu: "Abraão! Abraão! "
"Eis-me aqui", respondeu ele.
"Não toque no rapaz", disse o Anjo. "Não lhe faça nada. Agora sei que você teme a Deus, porque não me negou seu filho, o seu único filho. "

(Gênesis 22:10-12)

Não. Como já estava claro no início, foi uma prova a Abraão.
A ordem não culminaria em um sacrifício humano pois o próprio Deus providenciaria o escape daquela situação.

Um outro texto que já vi sendo usado para sugerir que Deus ordenou ou concordou que pessoas sacrificassem seus filhos é este:
Quando eu lhes cortar o suprimento de pão, dez mulheres assarão o pão num único forno e repartirão o pão a peso. Vocês comerão, mas não ficarão satisfeitos. Se apesar disso tudo vocês ainda não me ouvirem, mas continuarem a opor-se a mim, então com furor me oporei a vocês, e eu mesmo os castigarei sete vezes mais por causa dos seus pecados.
Vocês comerão a carne dos seus filhos e das suas filhas.
(Levítico 26:27-29)

Infelizmente, por sérios problemas de interpretação ou mera desonestidade, alguns afirmam que esse texto contenha uma ordem divina para que as pessoas pratiquem canibalismo com os próprios filhos, mas uma leitura do texto com o mínimo de atenção revela que essa afirmação aparece como uma consequência e não uma ordem.
Deus disse a eles que por causa da desobediência e a falta de arrependimento, eles sofreriam com a fome, e isso os levaria a agir de tal forma para sobreviverem.

Ou seja, acusações como essas além de serem infundadas pela própria falta de base moral para julgamento, ainda falham na péssima interpretação (ou distorção deliberada) do que os textos afirmam.

Ainda nesse contexto de pais e filhos:


Deus pune os filhos pelos pecados dos pais??

O autor afirma que Deus é injusto porque pune os filhos pelos pecados de seus pais.

Lamentável. Ele erra duas vezes.

Primeiro porque sua 'visão de mundo' não dá qualquer respaldo para que ele faça qualquer julgamento (conforme já foi dito), então é contraditório ele falar em justiça ou injustiça. Então independentemente do que Deus, eu ou qualquer pessoa viesse a fazer, o autor não teria qualquer base para afirmar que houve injustiça.

Segundo porque a bíblia não diz que Deus que pune os filhos pelos pecados dos pais.

Vejamos o texto que ele usa como base para tentar defender sua tese:
Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.
(Êxodo 20:5)

O texto não somente fala de pais e filhos, mas vai além, falando de mais descendências adiante.
Mas o texto diz que Deus puniria os descendentes pelos pecados dos ascendentes ou que visitaria iniquidade que esses ascendentes transmitiram para os descendentes??

Vamos ver outro texto falando a respeito:
Que é que vocês querem dizer quando citam este provérbio sobre Israel: ‘Os pais comem uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotam’?Juro pela minha vida, palavra do Soberano Senhor, que vocês não citarão mais esse provérbio em IsraelPois todos me pertencem. Tanto o pai como o filho me pertencem. Aquele que pecar é que morrerá.
(Ezequiel 18:2-4)

Aparentemente os judeus tiveram em um certo momento da história a mesma ideia do autor do vídeo, e até criaram um provérbio a respeito, mas o profeta mostra a eles a realidade da justiça de Deus: a responsabilidade é pessoal. O pecado leva à morte (Romanos 6:23), e portanto quem vive como ímpio sofre as consequências.

Mas então como entender o texto de Êxodo??

Não é difícil, é só lembrar da história do primeiro casal.
Adão e Eva pecaram diante de Deus e por isso receberam sobre si a punição. Por serem representantes da humanidade, toda sua descendência sofre as consequências dessa desobediência, estando distante de Deus e necessitada de um Salvador. Nenhum de nós é culpado pelo pecado de Adão ou de Eva, mas todos nós sofremos as consequências dessa desobediência.

E essa é uma regra geral, pecados dos pais não são diretamente punidos nos filhos, mas as consequências desses pecados os afligem. As pessoas só estariam livres de sofrer essas consequências de forma externa se não tivessem qualquer contato com pecadores (o que já é algo fora de cogitação), mas ainda assim sofrem pela própria natureza pecaminosa.

Explicadas essas questões sobre pais e filhos, vejamos outra acusação sobre Deus, relativa ao evento envolvendo Abraão e Isaque:


Deus não sabia como Abraão reagiria à provação??

O autor sugeriu que essa prova pela qual Abraão passou é uma evidência da ausência de onisciência de Deus... (???)
Estranhamente o autor sugere que, ao dar essa ordem a Abraão e depois dizer que por causa da obediência e a grande fé ele seria abençoado, Deus não sabia o que aconteceria e fez o teste pra saber...

Mas onde o texto passa essa ideia??

Se eu tivesse um filho e soubesse que ele matou aula, se colocasse ele em prova perguntando: "Você foi à escola hoje??", essa pergunta não demonstra a minha falta de conhecimento sobre esse fato, a intenção é que ele tenha a chance de responder e se preciso se justificar. A forma como eu lidaria com a possível mentira dele ou a sua confissão seria importante para que ele aprendesse uma lição e não eu.
Deus se utilizou desse recurso muitas vezes, como logo no "início do início", quando questionou Adão (Gênesis 3:9), Eva (Gênesis 3:11) e Caim (Gênesis 4:9). Não é necessário muito esforço para se perceber que isso era um teste para eles e não para Ele.

Logo, o fato de Deus provar algo não significa que Ele precise obter informação através disso, mas sim que a ocorrência pode servir como testemunho para terceiros. Isso em nada nega que Ele tenha conhecimento sobre todas as coisas.

Para pensar: Se Deus não fizesse tal prova por já ter tal conhecimento, como nós saberíamos que Abraão reagiria daquela forma??

É intrigante a afirmação do autor do vídeo de que quem dá uma prova ou teste não pode saber o resultado. E ainda diz que quem discorda disso é burro ou louco.
Ou seja, usando uma analogia, se um professor aplicar uma prova ele não poderá corrigi-la mas apenas observar o resultado do que os alunos responderem. Afinal, ele não pode saber os resultados, aquilo tem que ser uma novidade pra ele..

Faz sentido??
A não ser que você defenda um método pedagógico construtivista creio que vai concordar o absurdo disso.. ¬¬

Enfim, o autor enquadrou o dilúvio no mesmo contexto, afirmando que Deus não tinha conhecimento da maldade do homem..
Ele usa o seguinte texto para afirmar que só depois do dilúvio Deus se deu conta que o coração do homem é mau:
O Senhor sentiu o aroma agradável e disse a si mesmo:
"Nunca mais amaldiçoarei a terra por causa do homem, pois o seu coração é inteiramente inclinado para o mal desde a infância. E nunca mais destruirei todos os seres vivos como fiz desta vez."

(Gênesis 8:21)
Mas como isso pode ser utilizado pra dizer que Ele não sabia antes?!?!?
Pior ainda, o que fazer com esse texto anterior ao dilúvio em que se relata que Ele já sabia disso???
O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal.
(Gênesis 6:5)

É triste ver como o autor tenta fazer um julgamento mas aparentemente nem se preocupa em estudar a respeito, para não afirmar bobagens como essa..

O que podemos inferir do texto posterior ao dilúvio não é uma percepção (que já havia) mas sim um ato de misericórdia. E visto que em trabalhos de tradução; o modo "letra por letra" nem sempre deve ser predominante (e sempre deve estar acompanhado por "significado por significado"), tradutores em traduções inglesas, substituíram a palavra "pois" pela palavra "mesmo que".
Ou seja, Deus estava prometendo que
mesmo que as pessoas nasçam com uma natureza pecaminosa, Ele não repetiria mais o dilúvio. O juízo divino através de um dilúvio não ocorreria mais mesmo sendo os homens pecadores.

O texto traz então (no mínimo) uma promessa divina, um sinal de misericórdia, e uma confirmação sobre a natureza humana. São informações importantes para nós, que não saberíamos se não fosse informada. Obviamente Deus sempre soube de tudo isso.

Mas então se Deus sabe de tudo, como poderia Se arrepender de ter feito algo??


Deus muda de ideia??

Como é comum entre céticos (incluindo cristãos liberais), o autor usa textos em que aparece a menção ao "arrependimento de Deus" para afirmar que isso prova que Ele não tem todo conhecimento.
A aplicação lógica é corretíssima, afinal, como alguém que sabe de todas as coisas e tem todo o poder poderia ainda assim se arrepender de algo que fez?? Como um Ser Perfeito e incorruptível poderia falhar??

Bom, a explicação para esse 'arrependimento de Deus' está na utilização de antropopatia (ou antropopatismo), ou seja, expressões que retratam determinada(s) característica(s) de uma forma humanizada, a fim de acomodar isso ao entendimento do leitor.
No texto em hebraico de Gênesis 6 está escrito: Vayinachem: E Ele sentiu desgosto.
Deus expressou Sua misericórdia inspirando os autores a utilizar em muitas situações uma linguagem simples (e quase que antropomórfica, humanizando Deus), para o povo daquela época entender. Então o que podemos entender sobre o uso desse recurso nesses casos é que, em contraste com a aprovação inicial divina em relação à Criação ("viu que era bom") que serve como um testemunho pra nós que tudo foi criado bom, a condição atual do homem era de degradação.

Há outras passagens em que esse 'arrependimento' aparece mais claramente como uma mudança de tratamento, como por exemplo:
(Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal);
(Joel 2.13)
(Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez).
(Jonas 3.10)
Esse textos não deixam dúvidas que Deus mudou o tratamento que inicialmente seria dado a essas pessoas, como justificar isso??

É simples. Por seus pecados é justo que haja sobre elas o juízo divino, porém em Sua misericórdia Ele poderia revogar essa punição caso elas passagem a viver em retidão, ao se arrependerem de seus pecados. Da mesma forma que há bênçãos garantidas àqueles que andam em retidão, mas que perdem essa garantia caso abandonem a santidade:
Se em algum momento eu decretar que uma nação ou um reino seja arrancado, despedaçado e arruinado, e se essa nação que eu adverti converter-se da sua perversidade, então eu me arrependerei e não trarei sobre ela a desgraça que eu tinha planejado.E, se noutra ocasião eu decretar que uma nação ou um reino seja edificado e plantado, e se ele fizer o que eu reprovo e não me obedecer, então me arrependerei do bem que eu pretendia fazer em favor dele.
(Jeremias 18:7-10)

Essas palavras torna conhecido para qualquer o fato de que não há qualquer garantia de segurança perante a ira de Deus para aqueles que se desviarem dos Seus caminhos, assim como traz esperança a todos aqueles que se encontram em pecado, mostrando que por mais distantes que estejam de Deus, podem se reconciliar com Ele.

O teólogo João Calvino disse o seguinte a respeito:
Também, pela palavra penitência, ou arrependimento, devemos entender simplesmente uma mudança das obras de Deus em função do fato de que os homens, mudando as suas obras, testificam que elas lhes desagradam. Por isso, então, como toda mudança ocorrida entre os homens é correção do que desagrada, e a correção vem pelo arrependimento, por essa razão, a mudança que Deus faz em Suas obras é representada pelo nome de arrependimento. Tenha-se em mente, porém, que o conselho e propósito de Deus não volta atrás, a Sua vontade não se desvia e o Seu amor não muda; a verdade é que o que Ele, desde toda a eternidade, provou, aprovou e decretou, vai constantemente pondo em execução, sem nada variar, embora pareça haver ali uma diversidade ou alteração súbita. Porquanto, narrando a Escritura que a calamidade anunciada por Jonas aos habitantes de Nínive lhes foi perdoada, e que a vida de Ezequias foi prolongada depois de haver ele recebido a mensagem de que morreria, com isso ela não demonstra que Deus ab-rogou os Seus decretos.
(ler mais: João Calvino sobre a Providência divina contra algumas objeções)

Para mais versículos envolvendo o termo e uma explicação sucinta a respeito, recomendo também essa leitura: O Arrependimento de Deus.

Mas e o que dizer sobre o fato de Deus Se entristecer??


Deus tem sentimentos??

O autor resolveu entrar em um campo em que assumiu uma coisa que não pode provar: desde quando sentimentos são coisas exclusivamente humanas sendo que fomos criados à imagem de Deus e o caráter dEle pode ser refletido em nós??
Só porque não sabemos explicar como o caráter emocional de Deus coexiste com a Sua onisciência, isso não significa que um desses atributos esteja em contradição com o outro. Porém podemos a partir de especulação concluir novamente que a expressão das emoções divinas são atos para o aprendizado humano acerca do que Deus pensa sobre o pecado.

Em outras palavras: a tristeza de Deus não precisa ser limitada ao quanto de conhecimento Deus tem acerca dos acontecimentos da história, Deus pode muito bem expressar tristeza sobre um acontecimento histórico para ensinar ao homem o que ele deve e não deve fazer.

Outro ponto defendido pelo autor foi que a existência de tristeza aponta para o fato de que a pessoa fica surpresa. Ele está assumindo que a tristeza divina ocorre da mesma forma que a tristeza humana. Só porque a tristeza humana indica surpresa, isso em si, não significa que a tristeza divina indica o mesmo (justamente pelo fato de Deus ser onisciente, ao contrario de nós). Ele assume que a tristeza divina é equivalente a tristeza humana e que a perfeição anula os sentimentos, sem provar pelo texto ou qualquer outra base.

Além disso, ter sentimentos não prova a ausência de conhecimento acerca do futuro. Por exemplo, se você já sabe que algum ente querido seu vai morrer, por que você fica triste depois que esse ente morre?

Resumindo, o autor faz afirmações baseadas no seu achismo, tão somente.



Diante de tudo o que foi dito no vídeo e o que já foi explicado aqui, ainda há 2 temas que o autor menciona e merecem atenção: livre-arbítrio e escravidão. Tratarei deles na segunda parte do artigo..


[1] http://www.monergismo.com/textos/apologetica/Lei_Contradicao_Phillip.pdf