terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tempo - distensão da alma humana (parte 01)

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1. A Eternidade - berçário do tempo 
1.1 Deus é eterno
A intenção de Agostinho, ao iniciar a exposição sobre o tempo pelo conceito de eternidade, parece ter o propósito de criar um lastro que funcionaria como apoio ao seu conceito de Tempo.

Todo o seu pensamento e sua estrutura lógica gira em torno da convicção de que Deus criou o mundo para que este, o mundo, se realizasse nEle, Deus. 
Deus é o princípio de tudo, firmava-se Agostinho nas declarações do Evangelho de João.
“No princípio era o verbo, e o verbo era Deus”
Sendo assim, a compreensão do mundo deve partir da compreensão do Criador e a compreensão do criador deverá partir da interioridade do homem. Isso parece íntimo em Agostinho. O homem, na busca de uma intimidade maior consigo mesmo, se defrontará com o seu criador e nEle se encontrará.

1.1.1 Essência Divina
Todas as coisas foram criadas por Deus e para Ele. Em Deus não pode e não há nenhuma imperfeição ou movimento. Todo o seu Ser é, numa realização plena e completa. Em Deus não há devir, apenas ser. A eternidade é definida como sua propriedade, de um ser infinito, cuja realização é simultânea. Agostinho diz:

“Precedeis, porém, todo o passado, alteando-vos sobre ele com a vossa eternidade sempre presente.”

Uma vez convencidos de que Deus é eterno, cabe-nos compreender mais sobre isso. O que é eternidade? Como Deus é eterno?
Agostinho declara que a eternidade não é o tempo dilatado ou esticado, mas a simultaneidade de todas as coisas.

“Nunca se acaba o que estava sendo pronunciado, nem se diz outra coisa para dar lugar a que tudo se possa dizer, mas tudo se diz simultaneamente e eternamente, se assim não fosse já haveria tempo e mudança e não verdadeira eternidade e verdadeira imortalidade”.

Iniciando sua definição ele deixa claro que eterno é aquilo que não se sujeita a mudanças, onde tudo é simultâneo. Nenhum ser finito poderia se enquadrar nesta situação. Deus e somente Deus é eterno, pois a eternidade pertence à sua essência. Sendo assim, o tempo nunca poderia medir a eternidade.

1.1.2 A vontade Eterna

Mas falar de eternidade como ser simultaneamente todo e inteiro nos traz um problema: se Deus é Eterno, então a ele nada poderá se acrescentar nunca, pois se isso ocorrer não existirá a eternidade. Sendo assim só existiria a eternidade, nada além dela, pois qualquer ato de criação significaria uma mudança na divindade, o que seria impossível na eternidade. Se existiu em Deus um novo movimento, uma vontade nova para dar o ser à criatura que antes nunca criara, como pode haver verdadeira eternidade, se nEle aparece uma vontade que antes não existia? Para salvar a existência da eternidade, Agostinho propõe uma solução.

“A vontade de Deus não é uma criatura. Está antes de toda criatura, pois não seria criado se antes não existisse a vontade do criador. Essa vontade pertence à própria substância de Deus. Se alguma coisa surgisse na substância de Deus que antes lá não estivesse, não podíamos com verdade, chamar a esta substância eterna. Mas se desde toda eternidade é vontade de Deus que existam criaturas, por que razão não são as criaturas eternas?”

A criação não foi ab aeterno (Gênesi contra Manichaeos Cap.2). Deus criou livremente por um ato de volição. A vontade de Deus não é sua criatura, mas sua essência. Toda vontade divina é eterna, no sentido em que repousa na eternidade. Não é falso dizermos que todos os atos de Deus são eternos, visto que o ser divino não existe na sucessão dos momentos. A vontade é um ato interno do ser divino e, portanto eterno no sentido mais estrito da palavra. Sendo assim, também participa da simultaneidade e da falta de correlatividade do eterno. A eternidade da vontade implica em que a ordem que os diferentes elementos dela guardam reciprocamente não deve ser considerada como temporal, mas apenas como lógica. As idéias das coisas existem na Inteligência divina desde toda eternidade. E estas idéias estão em uma ordem lógica, e não temporal.
Mas um novo problema poderia ser colocado: Se todas as coisas foram criadas por Deus, e a vontade de criar tais coisas é eterna, não seria nesse sentido eterna a criação? Não. Isso não faz com que a criatura compartilhe com Deus sua eternidade, porque as criaturas que Deus quer produzir só aparecem no momento designado pela sua vontade. A vontade divina não é a existência das coisas, mas sim a vontade de que elas existam. Apenas quando foram criadas é que vieram à existência. Não preexistiam à criação, mas “são” eternamente desejadas.

1.1.3 A medida da eternidade
Deus é Eterno. Sua eternidade é uma simultaneidade do ser que em sua infinitude é isento de mudança, por menor que seja. Mas como poderíamos definir melhor a eternidade? A que poderíamos compará-la? Com que poderíamos medi-la?
Uma concepção do senso comum sobre a medida da eternidade parece ser motivo de preocupação para Agostinho. Não são poucos os que declaram que a eternidade seria um devir constante, onde não haveria o cessar da vida. Sendo assim, a eternidade seria um tempo lançado ao infinito, conjugado com a imortalidade. Ser eterno não seria ser atemporal , mas infinitamente temporal.
Todavia Agostinho entende que isso é um absurdo, pois essa eternidade continuaria sendo tempo, pouco distinguindo criatura de criador.
Escrevendo sobre esse tema, ele declara:

“Quem afirmava tais coisas, oh Sabedoria de Deus, Luz das inteligências, ainda não compreendeu como se realiza o que é feito por Vós e em Vós. Esforça-se por saborear as coisas eternas, mas o seu pensamento ainda volita através das idéias da sucessão dos tempos passados e futuros, e por isso tudo o que excogita é vão."

“A esse, que o poderá prender e fixar, para que pare um momento e arrebate um pouco do esplendor da eternidade perpetuamente imutável, para que veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com o tempo, que nunca para? Compreenderá então que a duração do tempo não será longa, se não se compuser de muitos movimentos passageiros. Ora , esses não podem alongar-se simultaneamente.”

Assim pensavam os gregos ao usarem αιών para expressar eternidade como uma duração infinita de tempo. No entanto, a eternidade não pode ser comparada ao tempo, pois se tempo é movimento, na eternidade não há movimento.
Uma outra questão é posta dentro deste tema; um novo problema é levantado: se Deus criou o mundo e é errado dizer que algo, fora Deus, existia antes da criação, então o que fazia Deus antes da criação? Perguntar isso consiste para Agostinho um absurdo, pois não existia antes, só eternidade. Por isso, podemos definir eternidade como não sendo um tempo dilatado, mas um eterno presente.
Medir a eternidade é uma tarefa impossível, pois nela nada passa, tudo é presente. Tudo é um presente contínuo, sem que dentro desse presente ocorra um antes ou um depois. As percepções que são aferidas pela nossa sensação não ocorrem na eternidade, onde Deus contempla tudo num presente. Tentar medir a eternidade é temporalizá-la.