quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pena de Morte - Uma Avaliação Teológica e Confessional (F. Solano Portela Neto) - parte 02 de 03

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Extraído de: Monergismo.com

A Lei Moral, Antes dos Dez Mandamentos


A Lei Moral de Deus, constituindo a sua vontade permanente para o homem, e estabelecendo as obrigações e deveres, do homem para com Deus e do homem para com o seu semelhante, foi revelada em diversas ocasiões, mesmo antes da codificação mosaica.

Considerando os três aspectos da Lei e a sua aplicabilidade, vemos que as determinações de Deus ao homem proferidas antes da legislação mosaica (como por exemplo: Gn 9:6) possuem considerável significado para nós, pois certamente não fazem parte nem da lei civil de Israel (que ainda não existia como nação), nem da lei religiosa daquele povo (que ainda não havia sido emitida de forma codificada e sistemática). Como exemplo, verificamos que datam deste período os primeiros registros do dízimo, sendo este um dos principais argumentos para a sua utilização nos nossos dias, ou seja, ele não estava somente entrelaçado à legislação civil ou religiosa da nação de Israel. As determinações deste período que não dizem respeito a procedimentos ou práticas cerimoniais religiosas, são expressões puras da Lei Moral de Deus, representando a vontade deste, em todos os tempos, para todas as criaturas.

A Pena de Morte foi instituída por Deus neste período. Foi comandada a Noé e a seus descendentes, antes das Leis Civis ou Judiciais, numa inferência de sua aplicabilidade universal. A Pena Capital foi instituída por Deus e não pelo homem. Sua instituição se deu não porque Deus desse pouca validade à vida do homem, mas exatamente porque Ele considerava esta vida extremamente importante. Desta forma, perdia o direito à sua própria vida qualquer um que ousasse atentar contra a criatura formada à imagem e semelhança do seu Criador. Esta foi a base da instituição da pena de morte, em Gênesis 9:6, enraizada na Lei Moral de Deus, como um reforço à sua determinação: não matarás. Esta mesma santidade de vida, encontraria reflexo posteriormente na codificação da Lei Moral de Deus, ou seja, no 6º Mandamento.


A Pena de Morte e o Decálogo


As Tábuas da Lei


Na dádiva das “Tábuas da Lei”, ou seja nos Dez Mandamentos (Ex 20:1-13), Deus resumiu a sua Lei Moral apresentando-a formalmente, e registrando-a, sucinta e objetivamente, para o benefício do seu povo.

É interessante atentar para o contexto histórico da ocasião. Foi a primeira vez que Deus falou coletivamente ao Seu Povo. Existiram inúmeras preparações necessárias para ouvi-lo, relatadas a partir do capítulo 19. O temor do povo perante a santidade de Deus era impressionante! Após ouvi-lo inicialmente, o povo suplicou a Moisés que intermediasse este contato com Deus, tamanho era o temor. O incidente da dádiva da Lei., e os acontecimentos que se seguiram, evidenciam a fragilidade do Povo de Deus e do Homem, em geral. Após tal demonstração de poder e santidade, logo se esqueceram de suas obrigações e, mal agradecidamente, caíram em idolatria. Isto mostra o desprezo do homem, caído, pela Lei.

Os Dez Mandamentos estabelecem obrigações e limites para o Homem. O seu estudo aprofundado mostra a sabedoria infinita de Deus, bem assim como a harmonia reinante em Sua Palavra. Revela também nossa insignificância perante Ele, nossa dependência e necessidade de redenção, em virtude do nosso pecado. O Homem pecou em Adão e desde então é incapaz de cumprir a Lei de Deus.

Os Dez Mandamentos, reforçam nossas obrigações para com os nossos semelhantes, em todos os sentidos. Entre estas obrigações, está a de preservarmos a vida desses. Inferimos, também, que as sanções divinas, sobre a quebra destes mandamentos, carregam o peso e a importância anteriormente ordenadas por Deus.

Jesus Cristo e os Dez Mandamentos


Jesus Cristo demonstra sua afirmação de que não veio para anular, ou abolir, a Lei, mas sim para cumpri-la, no incidente com o Jovem Rico, em Mateus 19:16-26 e em Marcos 10:17-22:
1. O jovem apresentou-se como tendo cumprido todos os mandamentos, mas mesmo assim inquiria como alcançar a vida eterna.
2. Jesus começou perguntando sobre os últimos 6 mandamentos, um a um... (nossas obrigações para com os nossos semelhantes).
3. Ele respondeu que tudo aquilo havia cumprido.
4. Jesus, entretanto, não chegou a enunciar o último mandamento (Não cobiçarás...).
5. Em vez disso colocou um teste prático sobre a cobiça, mandando que ele vendesse tudo o que tinha e distribuísse com os pobres. 
6. Nesse momento ele evidenciou a cobiça existente no seu coração e retirou-se triste, mostrando que não cumprira nem o primeiro mandamento, pois amava algo, mais do que a Deus.
7. Note que Jesus, nunca aventou a possibilidade de que aquelas obrigações eram hipotéticas ou superadas pela “nova dispensação”, ou de que o Jovem Rico não estava mais “sob a Lei Moral de Deus, mas sob a Graça.” Em vez disso, Cristo derrotou o argumento dentro da própria obrigação que o jovem possuía, de cumprir a lei, demonstrando que sua alegação de cumprimento era falsa.

Consideramos, desta forma, a Lei Moral de Deus válida para nossa época. A santidade da vida do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, contida nesta Lei, ainda subsiste. Subsistem, consequentemente, as sanções à retirada desta vida, ou seja a aplicação da Pena de Morte não foi revogada, como estamos ainda a demonstrar.

O 6º Mandamento e a Pena de Morte


Muitos tentam encontrar no 6º Mandamento uma proibição à aplicação da Pena de Morte, dizendo que o “Não matarás”, proibiria qualquer execução. O argumento é curioso, porque via de regra é aplicado justamente por aqueles que negam a validade da Lei Moral de Deus para os nossos dias, mas utilizam esta mesma lei quando lhes é conveniente. Nosso entendimento, é de que, precisamente o sexto mandamento, reforça a aplicação da Pena de Morte, ou seja, ele não é, em momento algum, uma proibição à aplicação da Pena de Morte.

Este mandamento (Ex. 20:13) enfatiza a santidade da vida. O que temos aqui, é Deus dando uma determinação bastante objetiva, proibindo o assassinato (“Não Matarás”, significa, linguisticamente: não cometerás assassinato), ou seja: nenhum indivíduo tem o direito de tirar a vida de outro. Não se aplica, portanto, aos governos constituídos que, exercitando o mandato e a autoridade concedida por Deus, passassem a aplicar a justiça e a reforçar o sexto mandamento, com a aplicação da Pena de Morte. A Lei Civil de Israel, prescrevia a Pena de Morte em várias instâncias e ocasiões e nenhum profeta ou servo de Deus aventou a possibilidade de que estas leis civis, também dadas por Deus, estivessem contrárias ao sexto mandamento.

A santidade da vida é uma determinação divina. Por inferência, todas as ações que prejudiquem a integridade física do próximo, são passos preliminares no atentado à vida e constituem quebra do 6º Mandamento.

A visão bíblica da santidade da vida, encontrada neste Mandamento e em outras passagens da Palavra de Deus, contrasta com os costumes dos povos pagãos daquela época, que rodeavam a nação de Israel, onde a vida humana era algo sem consideração ou valor, ao ponto de muitas cerimônias religiosas prescreverem o sacrifício humano, de forma banal e corriqueira. Como vimos anteriormente, a Bíblia diz que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, sendo esta uma das principais razões por que sua vida deve ser respeitada (Gen 9:6). Hoje em dia, observamos cada vez mais uma vulgarização da vida, com o aumento gradativo da criminalidade e da impunidade que assola a nossa sociedade.

O Princípio da Retribuição


Voltando ao aspecto da Lei Civil de Israel, dos crimes e de suas punições, dissemos que a não aplicabilidade da Lei Civil aos nossos dias não deveria nos isentar de pesquisarmos os princípios por trás daquela legislação. Verificamos, assim, que um dos princípios básicos nas punições, era o da retribuição.

A Pena de Morte, estabelecida por Deus previamente à Lei Civil, obedece a este princípio da retribuição. No detalhamento da Lei Civil ou Judicial, do Estado de Israel, aprendemos também que a execução desta sentença não foi dada desqualificadamente a indivíduos ou organizações fora do governo constituído. Estes não possuem nenhum direito sobre a vida de quem quer que seja, por mais legítima que venham a parecer as causas ou razões. A prova disto é a própria instituição das Cidades de Refúgio, estabelecidas por Deus em Números 35:9-34. Nestas cidades, até os assassinos confessos e declarados mereciam proteção temporária da fúria vingativa dos parentes próximos das pessoas assassinadas, pois o direito de fazer pagar a vida com a vida não havia sido delegado indiscriminadamente aos parentes ou aos amigos, mas a instituição do governo e somente após o julgamento devido. Naquela ocasião, o parente próximo poderia até ser o executor, mas não recebia sanção para cometer injustiça.

Por estes princípios, o crente deve ser contra os grupos de extermínio, os chamados vigilantes, e contra os linchamentos. Estes, dando a aparência de execução de justiça, promovem na realidade a anarquia e a desconsideração pela vida, eliminando a possibilidade de verificação isenta dos fatos e dos possíveis crimes cometidos. Estes grupos de pessoas quebram, na realidade, o sexto mandamento, e agem contra o princípio de santidade da vida, ali estabelecido.

Os argumentos pragmáticos, contra a pena de morte, por mais aparentemente verdadeiros que sejam, tais como: “..os nossos governos e governantes são imorais e não podem praticar a justiça, nem receber esta delegação...”, não podem se sobrepor às determinações de Deus. Por mais ilegítimos que sejam os governos, estas determinações de Deus permanecem legítimas. Os governantes de Israel nem sempre foram justos, corretos e tementes a Deus. Na realidade, em sua maioria, desrespeitaram abertamente a Deus e a suas Leis, abraçando a idolatria. Nunca, entretanto, encontramos qualquer profeta indicando: --”Vamos dar um tempo e suspender as aplicações da Lei de Deus, até que um governo bom e justo venha a se instalar em nosso país...” Pelo contrário, a mensagem profética era sempre no sentido de chamar os governantes à obediência destas mesmas leis. Ao defendermos algo que é determinado por Deus, devemos ter coragem e ousadia, mesmo caminhando contra a corrente e pensamentos modernos, talvez politicamente “corretos”, mas que apresentam soluções estranhas aos parâmetros de justiça de Deus.