sábado, 21 de outubro de 2017

Um apelo à seriedade

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Em tempos como os nossos, em que até pastores têm usado do humor como centro de suas exposições e que a tecnologia facilita o anseio por mais e mais entretenimento e ociosidade no lugar de responsabilidade e da consciência da importância de sermos produtivos, torna-se cada vez mais difícil observar nas pessoas uma virtude que gradativamente vai sendo julgada como retrógrada ou desinteressante: a seriedade.

Esse tipo de comportamento, em que a "zoeira" prevalece sobre tudo, é mais natural entre adolescentes e jovens, devido à fase da vida em que o próprio fator biológico e a falta de experiência "falam alto". Nessa fase da vida as pessoas são geralmente mais impulsivas e 'cheias de energia', por isso até a ideia de seriedade parece ser algo repulsivo. Mas deveria ser assim mesmo??

Se tomarmos as redes sociais como exemplo, mesmo havendo um controle que podemos ter daquilo que desejamos ver ou não, quase sempre 'a zoeira' estará diante de nós. E não proveniente apenas de adolescentes ou jovens, mas de adultos e idosos também.
Com isso, não estou condenando
 todo tipo de brincadeira, ou dizendo que só jovens podem "zoar" (pois seria o maior dos hipócritas), mas sim tentando trazer uma reflexão sobre a ênfase que tem sido dada a isso.

O Brasil é considerado por muitos a "terra da zoeira", tanto é que já ocorreram várias queixas de pessoas de outros países quanto ao comportamento de brasileiros nas redes. Não é à toa também que costumeiramente ouvimos alguém dizendo que "brasileiros sabem rir da própria desgraça", já que aparentemente tudo vira motivo de piada para nós..
Mas o problema da ênfase demasiada nas brincadeiras não é só nosso. Isso é algo que pode ser considerado "cultural", e que mesmo variando quanto à intensidade, certamente ocorre em vários lugares.

O fato é que essa ênfase é fruto do desiquilíbrio em nossa natureza humana caída, e acredito que causada pela falta de empatia e senso de responsabilidade.

No passado (não tão distante) era mais comum que as pessoas soubessem se portar com seriedade, e com certeza isso se deve á educação familiar que recebiam e às próprias normas sociais vigentes. Porém, com a relativização cada vez maior do certo e errado (e do bem e do mal), tudo que é tido como "conservador" ou "tradicional" é automaticamente taxado de "retrógrado", "opressor", etc.
Ou seja, certo e errado (e bem e mau) não existem absolutamente, mas agir de forma que pareça "conservadora" é ruim e errado.. Eis a "lógica" da nossa "geração mimimi"...



O equilíbrio necessário

Possivelmente alguém tenha lido até aqui e ainda não entendeu onde eu quero chegar ou acha que estou exagerando na crítica, mas vejamos o que as Escrituras tem a dizer:
Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de lançar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz.
(Eclesiastes 3:1-8)
Quando lemos o famoso texto de Eclesiastes, talvez a primeira impressão que tenhamos seja a da determinação divina, com todas as coisas estando pré-definidas e sendo inevitáveis, e creio que o texto traz mesmo essa ideia. Porém, sabemos que a predestinação divina e a responsabilidade humana coexistem, sendo esta última sujeita à primeira, e por isso mesmo creio que o texto além de descritivo é também normativo.

O que isso quer dizer??
Significa que ele não apenas apresenta fatos que ocorrem debaixo do sol, mas também nos ensina a necessidade de equilíbrio em nossos atos.

Há momentos específicos em que devemos agir de determinada forma e não agir de outra forma. Essa diferença de atitude sempre estará relacionada com o contexto, e de acordo com as prescrições bíblicas. Mas o fator crucial para a forma de interação é a empatia.
Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram.
(Romanos 12:15)
Uma pessoa que ama seu próximo como a si mesma, deve ser sensível à dor alheia, tanto quanto é diante dos momentos alegres. Esse texto é tanto um incentivo à empatia na alegria (em contraste com a condenação bíblica à inveja), como um alerta sobre a necessidade de amparar os aflitos em seus sofrimentos.

Isso é algo que, por ser uma verdade universal, é reconhecido até por aqueles que não assumem as Escrituras como padrão de fé e prática. Como diz um certo poeta: "(...) rir é bom, mas rir de tudo é desespero. (...)".
Àqueles que reagem emocionalmente de forma indiferente ou oposta à reação natural àquilo que experimentam, é comumente atribuído algum problema psicológico ou até psiquiátrico. Em casos onde isso é constante e/ou "gritante", fala-se em loucura.


Loucura X Sabedoria

Mas como isso tudo leva ao título do artigo??

Bom, aquele que age como um louco/insensato, naturalmente faz com que outras pessoas não o levem a sério.

Um exemplo bíblico interessante disso (que também é algo que pode ser facilmente verificado no dia-a-dia), está em I Samuel 21:10-15:
Naquele dia, Davi fugiu de Saul e foi procurar Aquis, rei de Gate. Todavia os conselheiros de Aquis lhe disseram:
"Não é este Davi, o rei da terra de Israel? Não é aquele sobre quem cantavam em suas danças: ‘Saul abateu seus milhares, e Davi suas dezenas de milhares’? "

Davi levou a sério aquelas palavras e ficou com muito medo de Aquis, rei de Gate. Por isso, na presença deles ele fingiu estar louco; enquanto esteve com eles, agiu como um louco, riscando as portas da cidade e deixando escorrer saliva pela barba. Aquis disse a seus conselheiros:
"Vejam este homem! Ele está louco! Por que trazê-lo aqui? 
Será que me faltam loucos para que vocês o tragam para agir como doido na minha frente? O que ele veio fazer no meu palácio? "
(1 Samuel 21:10-15)
O rei Davi possuía uma fama adequada aos seus feitos, mas ao se fingir de louco devido ao medo do inimigo, foi tratado como um "ninguém" e portanto desprezado pelo rei. Neste caso Davi apenas se passou por louco, mas a reação de Aquis comprova que alguém nessas condições não merece a devida atenção.
No livro de Provérbios há também várias recomendações para que "não se dê corda" para os insensatos, e que é perda de tempo tentar convencê-los dos seus erros. E logo no início da carta aos Romanos o apóstolo reforça outro ponto interessante: os loucos e insensatos geralmente se acham "donos da razão":
Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos
(Romanos 1:22)

Podemos notar nesse e noutros textos que a Escritura contrasta a loucura com a sabedoria.
Desta forma, se sabermos que "o temor do Senhor é o princípio da sabedoria" (Salmo 111:10; Provérbios 9:10), o que podemos pensar a respeito daquilo oposto á sabedoria?? Qual a relação com o Senhor, daquele que age como louco??
Segundo essa perspectiva, não há como alimentar uma boa expectativa..
Como esperar boa coisa em termos de sensatez daquele que foge de Deus??
E como julgar bem aquele que afirma ser temente a Deus mas não apresenta fruto de sabedoria no seu agir??

Lembrando:
E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada.
(Tiago 1:5)


Seriedade como ordenança

Se alguém considera esse relação entre sabedoria e seriedade "forçada", o que dizer dessas instruções diretas do apóstolo Paulo para que Tito demonstrasse seriedade e ensinasse os jovens a agirem assim também??

Da mesma maneira, encoraje os jovens a serem prudentes. Em tudo seja você mesmo um exemplo para eles, fazendo boas obras. Em seu ensino, mostre integridade e seriedadeuse linguagem sadia, contra a qual nada se possa dizer, para que aqueles que se lhe opõem fiquem envergonhados por não terem nada de mal para dizer a nosso respeito.
(Tito 2:6-8)
Por que será que o apóstolo teria mencionado a integridade e a seriedade assim juntas??

Pensemos: A forma como fazemos algo tem valor, ou basta fazer independentemente de como??

Paulo alerta Tito para que não apenas se preocupe em ser irrepreensível no que fazia, mas também em como fazia. Tanto é que na sequência fala sobre o uso de linguagem sadia, que era a forma de transmissão da mensagem.
Na prática, o "como" (a forma) deve ser tão considerado quanto o próprio objeto da ação. Ou seja, se Tito deveria se preocupar em pregar o evangelho (o objeto), também deveria se preocupar com a forma de fazê-lo.

A integridade do cristão deve estar acompanhada da sobriedade que dá crédito àquilo que ele professa. Não é á toa, por exemplo, que a Escritura condena a embriaguez, e que esta leva quem se sujeita a ela à rejeição social.
Aquele que tem fama de se embriagar se torna motivo de chacota e o que diz geralmente é automaticamente desprezado por seus ouvintes.

Da mesma forma, em momentos que exigem seriedade, pouca atenção vai ser dada àquele que não leva nada a sério e quer brincar com tudo. Os famosos "palhaços". A credibilidade destes acaba sendo baixa, porque não sabem tratar cada momento com a atenção adequada.
Um exemplo extremo mas interessante sobre essa falta de credibilidade está na famosa história cuja autoria é atribuída ao filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855):
Há muito tempo atrás houve um incêndio num circo ambulante na Dinamarca. O palhaço, que já se encontrava vestido e maquilhado para o início do espetáculo, foi para vila mais próxima pedir por ajuda, advertindo de que existia o perigo do fogo se espalhar pelos campos ceifados e ressequidos, com risco iminente para as casas do próprio povoado. Ele correu até à vila e pediu aos moradores que viessem ajudar a apagar o incêndio que estava a destruir o circo. Mas os habitantes viram nos gritos do palhaço apenas um belo truque de publicidade que visaria levá-los a acorrer em grande número às sessões do circo. Aplaudiam e desatavam a rir.
Diante dessa reação, o palhaço sentiu mais vontade de chorar do que de rir. Fez de tudo para convencer as pessoas de que não estava a representar, de que não se tratava de um truque e sim de um apelo da maior seriedade: estava realmente em causa um incêndio. 

Mas a sua insistência só fazia aumentar os risos; eles achavam que a performance estava excelente. Até que o fogo alcançou de fato aquela vila. Aí já foi tarde, e o fogo acabou por destruir não só o circo, mas também a povoação.
Nessa historia percebemos que ninguém acredita no palhaço, pois este fala como palhaço, veste-se como palhaço e, portanto, sua mensagem é interpretada como a de um palhaço – sem nenhuma seriedade. 

Que desgraça..


Seriedade como sinal de maturidade

Conforme mencionei antes, as Escrituras demonstra que a vontade de Deus para nós é que sejamos equilibrados, moderados... Sábios, em resumo...

É esperado de nós que estejamos em crescimento, aprimorados diariamente, santificados gradativamente. E um bom parâmetro para essa noção de crescimento espiritual é o próprio crescimento biológico e suas consequências sociais. Quero dizer, é natural que se espere comportamentos e atitudes distintas de uma criança e de um adulto.

A Escritura nos deixa claro que a distinção é real:
Digo, pois, que todo o tempo que o herdeiro é menino em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo; mas está debaixo de tutores e curadores até ao tempo determinado pelo pai.
(Gálatas 4:1-2) 
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
(1 Coríntios 13:11)

No primeiro texto Paulo demonstra que até quando o pai julga necessário, um menino é cuidado e preparado para a fase adulta, e no segundo faz uma analogia para demonstrar que aquilo que dizia respeito à "infância" deve ficar pra trás quando se atinge a maturidade que idade (tomando literalmente) exige.

Isso se refere inclusive às responsabilidades.
Uma criança não responde por seus atos na mesma amplitude que um adulto, justamente porque ainda não tem a mesma noção da realidade que este último. E por isso mesmo nenhuma pessoa sensata confiaria a uma criança uma tarefa árdua e perigosa sem respaldo (ex: Isaías 3:4;12).

Portanto, se por um lado é traumático para uma criança ter sua infância perdida e ter a "vida adulta" adiantada por qualquer motivo que seja; um adulto que ignora suas responsabilidades e vive infantilmente está em oposição ativa ao propósito de Deus para si. Age como tolo, na prática é um louco...

Há tempo para tudo debaixo do sol..



CONCLUSÃO

Sejamos sábios em relação a nossas atitudes e comportamentos.
Lembremos que testemunhamos um Deus Santo e perfeito, e como Ele pode salvar e transformar pecadores.

Saibamos ter bom-humor, e nos alegrar sempre, mas não sejamos inconsequentes ao jogarmos a empatia no lixo.
Sejamos imitadores de Cristo, como Paulo nos instruiu, e nos preocupemos com a impressão que passamos aos outros e o que isso transparece em relação á fé que professamos.
Nunca ranzinzas e murmuradores, mas fugindo também dos erros do outro extremo.

Que Ele nos ajude!!