quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Regeneração Monergística (R. C. Sproul)

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A doutrina de justificação pela fé somente foi debatida durante a Reforma no nível mais profundo da regeneração monergística. Esse termo técnico precisa ser explicado. Monergismo é derivado de uma combinação de um prefixo e um radical. O prefixo mono é usado frequentemente em inglês para indicar aquilo que é um só ou sozinho. A raiz vem do verbo "trabalhar": o erg entra em nossa língua para indicar uma unidade de trabalho ou energia. Colocando o prefixo e radical juntos, temos monergia ou monergismo. Monergismo é algo que opera ou funciona sozinho como a única parte ativa. 

Monergismo é o oposto de sinergismo. Sinergismo tem raiz em comum com monergismo, mas tem prefixo diferente. O prefixo syn vem de uma palavra grega significando "com". Sinergismo é um empreendimento cooperativo, um trabalhar junto de duas ou mais partes. 

Quando o termo monergismo é ligado à palavra regeneração, a frase descreve uma ação pela qual Deus, o Espírito Santo, trabalha sobre um ser humano sem a assistência ou cooperação dessa pessoa. Essa graça de regeneração pode ser chamada graça operativa. Graça cooperativa, por outro lado, é graça que Deus oferece a pecadores e que eles podem aceitar ou rejeitar, dependendo da disposição do pecador. 

Regeneração monergística é exclusivamente um ato divino. O homem não tem o poder criativo que Deus tem. Vivificar uma pessoa que está espiritualmente morta é algo que só Deus pode fazer. Um morto não pode ressuscitar a si mesmo. Não pode nem mesmo ajudar no esforço. Só pode responder depois de receber vida nova. Não pode ajudar no esforço, então como certamente irá responder. Em regeneração a alma do homem é totalmente passiva até que ela seja tornada viva. Ela não oferece ajuda nenhuma em se reavivar, embora uma vez reavivada ela seja capacitada a agir e responder. 

Talvez uma boa ilustração do poder monergístico, doador de vida, seja o levantamento de Lázaro dentre os mortos, uma história relatada no Evangelho de João: 

Jesus, agitando-se novamente em si mesmo, encaminhou-se para o túmulo; era este uma gruta a cuja entrada tinham posto uma pedra. Então, ordenou Jesus: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, porque já é de quatro dias. Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus? Tiraram, então, a pedra. E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse: Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste. E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! Saiu aquele que estivera morto, tendo os pés e as mãos ligados com ataduras e o rosto envolto num lenço. Então, lhes ordenou Jesus: Desatai-o e deixai-o ir. Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele. Outros, porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. (João 11.38-46)

Lázaro estava morto, não criticamente doente ou a ponto de estar morrendo. Ele já era um morto e estava em decomposição. O mau cheiro de seu corpo que apodrecia era repugnante para sua irmã Marta. O milagre de sua ressurreição foi realizado sem meios, isto é, sem unguentos, sem medicamentos, respiração artificial, etc. O único poder que Cristo usou aqui foi o poder de sua voz. Ele pronunciou uma ordem, não um pedido ou um convite. Ele não fez nenhuma tentativa de persuadir Lázaro a sair do túmulo. Essa ressurreição foi estritamente monergística. Lázaro não prestou absolutamente nenhum auxílio. Ele era incapaz de ajudar em qualquer modo, porque estava completamente morto. 

Alguns podem argumentar que embora Cristo fornecesse o poder inicial da ressurreição de Lázaro, contudo Lázaro teve de responder ao mando de Cristo para sair do túmulo. Não é isso um trabalho cooperativo, uma sinergia entre Cristo e Lázaro? A maior parte da confusão com respeito à regeneração entra no quadro aqui. Obviamente Lázaro respondeu. Ele saiu da tumba em obediência à ordem de Jesus. Depois que a vida fluiu de novo no corpo de Lázaro, ele ficou bastante ativo. 

Regeneração monergística tem a ver não com todo o processo de redenção, mas estritamente com a condição inicial ou primeiro passo de nossa chegada à fé. É claro que Lázaro atuou. Ele respondeu. Ele saiu do túmulo. Mas o ponto crucial é que ele não fez nenhuma dessas coisas enquanto ainda estava morto. Ele não respondeu ao chamado de Cristo até depois que foi tornado vivo de novo. Sua ressurreição antecedeu a ele vir para fora do túmulo. Sua restauração à vida precedeu a sua resposta. 

Arminianos não apreciam essa analogia e protestam que nós estamos aqui comparando maçãs com laranjas. Obviamente, no caso de morte física, um morto não pode responder ou cooperar. Não tem poder de responder porque está morto. Uma pessoa que está fisicamente morta não pode fazer nada nem física nem espiritualmente. Uma pessoa que está espiritualmente morta ainda está viva biologicamente. Essa pessoa ainda pode agir, trabalhar, responder, tomar decisões, etc. Ela pode dizer sim à graça, ou pode dizer não. 

Aqui chegamos ao ponto final de separação entre semipelagianismo e agostinianismo, entre arminianismo e calvinismo, entre Roma e a Reforma. Aqui descobrimos se somos totalmente dependentes da graça para nossa salvação ou se, enquanto ainda na carne, ainda em servidão ao pecado, e ainda mortos em pecado, podemos cooperar com graça de tal modo que afete nosso destino eterno. 

Na visão da Reforma, a obra de regeneração é realizada por Deus e por ele sozinho. O pecador é completamente passivo em receber essa ação. Regeneração é um exemplo de graça operativa. Qualquer cooperação que demonstramos para com Deus ocorre somente depois que a obra da regeneração tem sido completada. Naturalmente nós respondemos a essa obra. Nós respondemos de maneira semelhante àquela de Lázaro quando, depois que foi solto, pisou para fora do túmulo. 

De maneira semelhante pisamos para fora de nossos túmulos de morte espiritual. Nós também respondemos quando ouvimos o chamado de Cristo. Nossa regeneração não impede tal resposta, mas é projetada para tornar essa resposta não só possível como certa. O ponto é, entretanto, que a não ser que primeiro recebamos a graça de regeneração, nós não vamos e não podemos responder ao evangelho de um modo positivo. A regeneração precisa ocorrer primeiro, antes que possa haver qualquer resposta positiva de fé. 

O arminianismo inverte a ordem da salvação. Ela tem a fé precedendo a regeneração. O pecador, que está morto em pecado e em escravidão ao pecado, precisa de alguma maneira deixar cair suas correntes, reavivar sua vitalidade espiritual e exercer fé para que ele ou ela possa ser nascido de novo. De um modo muito real a regeneração não é tanto uma dádiva nesse esquema como é uma recompensa por responder à oferta de graça. 
O arminiano argumenta que nesse esquema a graça é primária, em que Deus primeiro oferece graça por regeneração. Deus toma a iniciativa. Ele faz a primeira mexida e toma o primeiro passo. Mas esse passo não é decisivo. Esse passo pode ser frustrado pelo pecador. Se o pecador recusa cooperar com ou concordar com essa graça oferecida, então a graça não adianta, é em vão.