sexta-feira, 5 de setembro de 2014

João Calvino e o Princípio Regulador do Estado (por Steve C. Halbrook)

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Calvino afirma as leis judiciais de Moisés 

Em seus escritos, Calvino pressupõe validade permanente da lei judicial. 

Por exemplo, em seus "Sermões em Deuteronômio", afirma a permanência das leis judiciais que proíbem o adultério, [1] uma mulher mentindo sobre a virgindade antes do casamento, [2] o estupro de uma virgem, [3] o seqüestro, [4] e os filhos incorrigivelmente rebeldes. [5] 

E em seus comentários, afirma a permanência das leis judiciais que proíbem o incesto, [6] a apostasia, [7] e sedução à idolatria. [8] 

Em sua defesa da execução de Serveto - blasfemador vil e promotor de heresias que condenam a alma -, Calvino mantém proibições da lei judicial de blasfêmia e sedução de almas para longe de Deus: 
Seja quem for que agora alegar que é injusto colocar hereges e blasfemadores à morte conscientemente e voluntariamente incorrerá em sua própria culpa. Isto não está previsto na autoridade humana; é Deus que fala e prescreve uma regra perpétua para a sua Igreja. Não é em vão que ele expulsa todos os afetos humanos que suavizam os nossos corações; que Ele comanda que o amor paternal e todos os sentimentos benevolentes entre irmãos, parentes e amigos cesse; em uma palavra, que Ele quase priva os homens de sua natureza, a fim de que nada possa impedir o Seu santo zelo. Por que é tão implacável um rigor requirido senão para que possamos saber que Deus é defraudado de Sua honra, a menos que a piedade que é devida a Ele seja preferida a todos os deveres humanos, e que, quando a Sua glória está para ser afirmada, a humanidade deve ser quase obliterada das nossas memórias? [9] 

Calvino e Genebra 

Embora Calvino não comandasse Genebra, ele tinha influência. Viggo Nørskov Olsen, ao discutir a perspectiva de Calvino sobre o casamento, argumenta que Calvino buscou uma sociedade "bibliocrática" em Genebra governada pela palavra de Deus: 
Calvino procurou fazer a administração de Genebra "bibliocrática", o que significava que a sociedade secular devia ser regida por um "assim diz o Senhor". Seu princípio hermenêutico era que Deus é sempre o mesmo e não contradiz a si mesmo; nesse sentido, as leis e regulamentos, incluindo as que regem a disciplina e punição, que deveriam orientar o magistrado em matéria matrimonial tinham que estar em harmonia com os ensinamentos de Cristo. Calvino e Beza sustentaram que tanto o Antigo e o Novo Testamento tinham feito do adultério a única exceção para o divórcio apenas porque o apedrejamento havia sido negligenciado. [10] 

A insuficiência da "luz da natureza" 

Para Calvino, a "luz da natureza" é insuficiente em relação à Primeira Tábua da Lei - e quase tão ruim em relação à Segunda Tábua: 
E se queremos medir nossa razão pela lei de Deus, o padrão de justiça perfeita, veremos em quantos aspectos ela é cega! Certamente ela não consente com os principais pontos da primeira tábua; como colocar nossa fé em Deus, dar o devido louvor por Sua excelência e justiça, chamar o Seu nome, e realmente guardar o sábado [Êxodo 20: 3-17] ... 
Os homens têm um pouco mais de compreensão dos preceitos da segunda tábua [Êxodo 20:12 e segs.] porque estes estão mais intimamente relacionados com a preservação da sociedade civil entre eles. Mas mesmo aqui às vezes encontra uma incapacidade de suportar ... 
Mas em toda a nossa observância da lei falhamos em não levar muito em conta a nossa concupiscência. O homem natural se recusa a ser levado a reconhecer as enfermidades de seus desejos. A luz da natureza é extinta antes mesmo de entrar neste abismo ... [11] 
Governantes civis, então, não podem depender da lei natural, mas das Escrituras, o que é suficiente. Como ele escreve ao comentar sobre Deuteronômio 4:8
E como prova disso, qual é a causa pela qual as nações são tão endurecidas em suas próprias senilidades [fraquezas]? É porque elas nunca conheceram a lei de Deus e, portanto, elas nunca compararam a verdade com a mentira. Mas quando a lei de Deus toma o lugar, vem então a impressão de que todo o resto não passa de fumaça: tanto que elas que se julgavam maravilhosamente graciosas, são achadas tendo sido nada mais do que embriagadas em sua própria bestialidade. Isto é aparente. Por isso, vamos assinalar bem, que para discernir que não há nada exceto vaidade em todos os legados do mundo, temos que conhecer as leis e ordenanças de Deus. Mas se nos repousarmos sobre as leis dos homens, certamente não é possível a nós julgarmos corretamenteEntão devemos ir primeiro [precisamos ir primeiro] para a escola de Deus, e isso nos mostrará que uma vez que tivermos nos beneficiado sob Ele, será o suficiente. Esta é toda a nossa perfeição. E, por outro lado podemos desprezar tudo já inventado pelo homem, vendo que nada mais há do que fraqueza e incerteza nisso. E essa é a razão pela qual Moisés descreveu a eles legítimas ordenanças. Como se ele devesse dizer que de fato essas outras pessoas têm fartura[s] de cerimônias, fartura[s] de regras, e fartura[s] de Leis: mas não há correção absoluta nelas, tudo está errado, tudo é tortuoso. A verdade é que não percebem, e qual é a causa disso, senão que não é possível para eles discernir o bem do mal, sem a palavra de Deus que é a verdade? Por mais que nos esforcemos, não podemos fazer aquilo que é justo ou certo, exceto o que aprendemos primeiro da mão de Deus. E se até agora temos sido supervisionados como que a permitir nossos próprios atos, não vamos continuar assim, pois Deus não permitirá todos os pormenores disso, porque devemos obter toda nossa retidão em sua verdade. Neste caso, não é qualquer homem que define seus próprios pesos e sua própria balança [Calvino aqui está se referindo à justiça]: mas devemos nos agarrar ao que Deus pronunciou e tornou absoluto [12] 

O governo civil não pode ser arbitrário, mas deve governar pela palavra de Deus 

Calvino escreve o seguinte sobre a necessidade do governo civil não governar por opiniões humanas, mas pela Palavra de Deus: 
E disse Moisés a seu sogro... Moisés responde de maneira ingênua, como se tratasse de uma questão digna de louvor/elogio, como alguém sem consciência de qualquer erro; ele se declarou o ministro de Deus, e instrumento do Seu Espírito. Nem, de fato, poderiam sua fidelidade e integridade serem questionadas. Ele apenas cometeu um erro ao sobrecarregar-se com muito trabalho, e não se considerando em particular, nem todo o resto publicamente. No entanto, uma lição útil pode ser obtida a partir de suas palavras. Ele diz que contendedores vem "para consultar a Deus", e que ele as faz conhecer os estatutos de Deus e Suas leis. Daí segue-se que essa é a finalidade do governo político, que o tribunal de Deus deve ser erguido em terra, onde Ele possa exercer o ofício de juiz, a fim de que os juízes e os magistrados não arrogassem a si mesmos um poder incontrolável por quaisquer leis, nem permitissem a si mesmos decidir qualquer coisa arbitrária ou injustificadamente, nem, em uma palavra, assumissem para si mesmos o que pertence a Deus. Então, e somente então, magistrados se isentarão corretamente: quando eles se lembrarem que são os representantes (vicários) de Deus. Uma obrigação é também imposta a todos os indivíduos, que não deveriam precipitadamente recorrer à autoridade ou assistência dos juízes, mas devem abordá-los com o coração puro, como se consultando a Deus; qualquer um que deseje mais alguma coisa a não ser aprender a partir da boca do magistrado o que é certo e justo, ousadamente e profanamente viola o posto que é dedicado a Deus. [13] 
Aqui Calvino abraça muito abertamente o princípio regulador do Estado. Ele observa que, no Israel do Antigo Testamento, "contendedores vem 'consultar a Deus', e que ele os faz conhecer os estatutos de Deus e Suas leis." Para Calvino, "essa é a finalidade do governo político", em que o governo civil é baseado nas leis de Deus ("tribunal de Deus") - não sobre as leis arbitrariamente determinadas pelo homem. 

Portanto, para Calvino, a lei mosaica tem um sistema completo de justiça; como ele escreve em seus Tratados Contra os Anabatistas e Contra os Libertinos
Vamos manter esta posição: a de que em relação à verdadeira justiça espiritual, isto é, no que diz respeito a um homem fiel andando em boa consciência e ser íntegro diante de Deus tanto em sua vocação como em todas as suas obras, existe uma clara e completa orientação para isso na lei de Moisés, a qual precisamos simplesmente nos agarrar se quisermos seguir o caminho certo. Assim, quem acrescenta ou tira nada dela ultrapassa seus limites. Portanto, nossa posição é certa e infalível. [14] 

Fortes palavras de Calvino para aqueles que procuram o conselho para além da Palavra de Deus 

Calvino achava inútil os governantes procurarem por conselho além da palavra de Deus, e tinha palavras muito fortes para aqueles que negassem isso. Em seus sermões sobre Deuteronômio, ele afirma: 
Vimos ontem [Sermão 105] por que Deus ordenou reis ter um livro da Lei. Pois, embora tivessem sido conhecido a Palavra de Deus anteriormente, ainda quando subiram ao poder competia a eles perceber que tinham mais necessidade do que nunca para governar-se pela Palavra de Deus, considerando quão difícil coisa é governar um povo. Além disso, Deus deve pronto para trabalhar em nome deles, e os homens devem reconhecer-se fracos demais para a tarefa, de modo que eles procuram a ajuda de que necessitam - ou seja, serem guiados por Deus; e para obter esta ajuda devem se aplicar ao estudo de Sua Palavra. Pois é inútil para nós a esperança de que Deus nos dará conselhos, a menos que busquemos em Sua lei. Se um homem diz que está feliz porque Deus lhe deu o Seu Espírito, e ainda despreza, entretanto, todas as ajudas apontadas, como a leitura da Sagrada Escritura e a audição de sermões, ele não zomba de Deus? E assim você pode ver que é bom e necessário para reis ter um livro da Lei. ... Nossa verdadeira sabedoria é ouvir a Deus quando Ele nos fala, e obedecer a Sua doutrina. [15] 
Em uma linguagem ainda mais severa, Calvino diz o seguinte sobre negar a suficiência das Escrituras para o governo civil: 
Ele [Deus] nos faz [quer fazer] entender que não devemos julgar segundo nossa própria imaginação, se o ato for digno de morte ou não. Isso é uma coisa que seduz muitos homens e governantes a rivalizar contra Deus e blasfemar Sua Lei, tanto que precisam dar sentença de si mesmos de acordo com a sua própria opinião. Mas, pelo contrário, nosso Senhor nos traz de volta à Sua vontade. [16]


*Tradução livre do texto original de:
http://christiancivilizationblueprints.blogspot.com.br/2014/07/john-calvin-and-regulative-principle-of.html

*Possivelmente a tradução ainda será revisada.


Notas:
____________________________________________
[1] João Calvino, Sermões em Deuteronômio (Edinburgo: Banner of Truth), 790. 
[2] Ibid., 788. 
[3] Ibid., 791.
[4] Ibid., 846.
[5] Ibid., 760.
[6] João Calvino, Comentário das Epístolas de Paulo o Apóstolo dos Coríntios: Volume Um, 1 Coríntios 5:13. 
[7] João Calvino, Comentários dos Quatro Últimos Livros de Moisés: Volume Dois, Deuteronômio 18:5.
[8] Ibid., Deuteronomy 13:6.
[9] Citado na "Defesa de Calvino à Pena de Morte para Hereges" no livro de Philip Schaff: História da Igreja Cristã: Volume VII: Cristianismo Moderno, a Reforma Suíça, (Nova Iorque: Filhos de Charles Scribner, 1907), 791.
[10] V. Norskov Olsen, John Foxe e a Igreja Elizabetana (Berkeley, CA: Imprensa da Universidade da Califórnia, 1973), 208. 
[11] João Calvino, Institutas da Religião Cristã, trans. Ford Lewis Battles, 2:2:24.
[12] João CalvinoSermões em Deuteronômio: Facsimile of 1583 Edition (Carlisle, PA: The Banner of Truth Trust, 1987), 123. Citado do livro de Brian Schwertley: A Lei de God para o Homem Moderno: Capítulo 3: Lei Natural vs. Lei Biblíca (Brian Schwertley, 2000), 6. Extraído em 23 de Junnho de 2014 de http://www.reformedonline.com/uploads/1/5/0/3/15030584/chapter_3_gods_law.pdf.
[13] João Calvino, Harmonia da Lei: Volume 1, Êxodo 18:15.
[14] João Calvino, Tratados Contra os Anabatistas e o Contra os Libertinos, trans. and ed. Benjamin Wirt Farley (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1982), 78. Citado no livro de Gary North: Confissão de Westminster: O abandono do Legado de Van Til (Tyler, TX: Institute de Economia Cristã, 1991), 57.
[15] João Calvino, Sermão 106: Deuteronômio 17:16-20 (Nov. 21, 1555). Citado em "Calvino Diz," ed. James B. Jordan (Tyler, TX: Escola de Divindade de Genebra, Março de 1981), Vol. 2, No. 3, 1. 
[16] Calvino, Sermões em Deuteronômio 634.