segunda-feira, 3 de abril de 2017

A Teologia da Missão Integral é calvinista? (por Ysmael Silva)

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Introdução


É notório que a cosmovisão reformada ao longo de sua história sofreu os mais absurdos tipos de ataques e acusações falsas. Entretanto, nos últimos dias, principalmente após a publicação de dois vídeos de um pastor “pentecostal”(1), surgiu uma que chama à atenção.

Em seus vídeos, ele acusa Calvinistas de serem os primeiros a criticarem os pentecostais enquanto se calam em relação ao avanço de pautas políticas de caráter marxista no Brasil, isso porque segundo ele, os Calvinistas são “amiguinhos” do pessoal da esquerda, principalmente com aqueles vinculados a TMI.

A partir disto, algumas pessoas nas redes sociais tentaram estabelecer algum tipo de relação entre a teologia reformada (Calvinismo), com uma visão política de esquerda, inclusive em apoio a Teologia da Missão Integral (TMI).

Embora seja possível que existam cristãos honestos e sinceros dentro da TMI, de fato, tal movimento passou a ser conhecido como progressista e marxista, muito em função dos seus membros e principais líderes como o Ariovaldo Ramos(2), que defende pautas contrárias a fé cristã como o aborto e chegou a afirmar que o ditador Hugo Chaves transformou o mundo em um lugar melhor.

O objetivo de tentarem estabelecer esta relação é simples. Eles desejam denegrir o Calvinismo por meio do seguinte argumento:

A – A TMI é Marxista/ Comunista e contrária a fé cristã.
A1 – Calvinistas apoiam a TMI.
Conclusão – Deve se rejeitar o Calvinismo pois este apoia a TMI que é marxista/ comunista.

Ou seja, para eles, calvinistas, são de esquerda por apoiar a TMI, logo os ensinos dos Calvinistas e as críticas deles ao pentecostalismo devem ser rejeitadas.

Observe que o objetivo deles, não é mostrar os problemas da TMI, mas sim fazer um ataque aos Calvinistas.

Mas seria isso verdade? Reformados são “amiguinhos” da TMI? A TMI é formada basicamente por “reformados”? Veremos ao longo deste texto que a resposta para estas perguntas é um grande NÃO.

Para isto, este artigo possuíra as seguintes seções:

1 – A Ética econômica em João Calvino
– A Posição Oficial da IPB contrária ao Comunismo/ Marxismo.
3 – Reformados se levantando contra a TMI e produzindo materiais contrários ao Comunismo/ Marxismo e a TMI.
4 – Uma consideração da atuação da TMI em diversas igrejas.


1 –  A Ética econômica em João Calvino


Calvino já foi acusado injustamente de muitas coisas, mas poucas seriam tão absurdas como a ideia de que seus ensinos dão margem para o Comunismo. Na verdade, o que vemos nos ensinos de Calvino sobre economia, é justamente o contrário.

Peyrefitte (1999), por exemplo, argumenta que Calvino foi um dos primeiros teólogos a defender que a bíblia não proíbe o direito de usura, embora como aponta Matos (2004), ele fosse contrário aos juros abusivos, insistindo que os empréstimos aos pobres fossem isentos de qualquer encargo. Assim, de acordo com De Castro (2009), Calvino condenava a usura quando os empréstimos eram praticados para socorrer os necessitados, mas legítimos quando o fossem empregados para a produção de bens.

Peyrefitte ainda afirma que a ética calvinista promove a comunicação, a troca e o desenvolvimento das capacidades, o que gera uma aceleração na atividade econômica. Deslocando a mentalidade da divisão de riquezas para, ao invés disso, a sua criação.

Biéler (1990; apud Matos 2004), inclusive afirma que “Calvino e o calvinismo de origem contribuíram, certamente, para tornar muito mais fáceis, no seio das populações reformadas, o desenvolvimento da vida econômica e o surto do capitalismo nascente”.

Como podemos observar os ensinos de Calvino sobre economia, em nada se parecem com aqueles apregoados pelo Marxismo, ou Comunismo.

Obviamente que Calvino também não é o idealizador do Capitalismo secularizado que se vê atualmente, pois como aponta Matos (2004), a ética econômica calvinista está debaixo do princípio de que “Deus é o Senhor de toda a vida, inclusive da atividade econômica, e, portanto, esta atividade deve refletir uma ética baseada na justiça, compaixão e solidariedade social”

 Não só os aspectos econômicos diferenciam os ensinos de Calvino em relação ao Marxismo/ Comunismo. A sua visão acerca das Autoridades Civis também é totalmente antagônica.

Skinner (1996; apud Gomes 2002) e Silvestre (2002), por exemplo, apresentam que Calvino abordou os limites da submissão e a resistências as Autoridades. Gomes (2002), ainda aponta que para Calvino à autoridade que deve ser obedecida é aquela que permanece fiel a Deus e a sua palavra e isto para Skinner contribui para o florescimento da democracia na Europa Ocidental. Nada poderia ser mais oposto ao Comunismo do que isso.

Claramente podemos ver que os ensinos de Calvino não podem se associar ao Marxismo/ Comunismo. Mas talvez, alguém possa objetar, “Calvino defendeu isto, mas seus seguidores no Brasil não”. Portanto, no próximo ponto iremos avaliar essa possível objeção. 

2 – A Posição Oficial da IPB contrária ao Comunismo/ Marxismo.


A melhor instituição que representa o Calvinismo no Brasil é a IPB, ela é confessional aos Padrões de Westminster (3) e reconhecidamente envida grandes esforços para difundir a teologia reformada pelas terras tupiniquins.

Tendo isto em vista, a IPB é um ótimo parâmetro para entender como os brasileiros que seguem a teologia reformada enxergam o comunismo/ marxismo.

Então, o que a IPB pensa sobre o assunto?

Curiosamente, conforme Marques (2015), mostrou em sua pesquisa, a Igreja Presbiteriana do Brasil historicamente se manifestou contrária ao Comunismo/ Marxismo, e isso pode ser observado a partir de documentos oficiais da Igreja, como por exemplo, a SC – 54- 138, aonde a IPB afirmou que “há incompatibilidade entre o comunismo ateu e materialista e a doutrina bíblica e os símbolos de fé da IPB”.

Ou então em 1956, quando a CE-56-096 afirmou que “...em referência à atitude cristã quanto ao comunismo, persistimos em pregar a realidade do poder transformador do evangelho de Cristo, crendo que o comunismo é uma filosofia de vida contrária ao espírito e à doutrina evangélica”.

Marques (2015), ainda cita que a IPB através de seu supremo concílio em 1966 se posicionou afirmando que não podem ser aceitos como oficiais e ministros aqueles que defendam ideologias contrárias fé cristã como o comunismo, como pode ser constatado na SC – 66 - 074:

““SC-66-074 - Pbt. de Castro - Consulta - Doc. XXXIV- Quanto ao Doc. 26 Consulta do PCST sobre atitudes do Presbitério quando tiver obreiro comunista, o SC resolve: 1) Reafirmar ser indispensável a qualquer pessoa que deseja filiar-se à IPB, em especial aos seus oficiais e ministros, a aceitação da Palavra de Deus como única regra de fé e prática, e seus símbolos de fé. Quando qualquer prova se possa fazer contra membro ou membros da IPB de que já não mais aceitam a Palavra de Deus e seus símbolos de fé, por adotarem uma filosofia em choque com os princípios cristãos, no todo ou em parte, a mesma prova deve ser apresentada ao Conselho competente para os devidos fins;..”

Como qualquer pessoa pode observar, a principal instituição reformada no Brasil se posiciona abertamente contrária ao comunismo/ marxismo, coisas que poucas igrejas assim o fizeram.

Mas ainda assim, alguém pode objetar algo do tipo: “isso é na teoria, mas na prática os reformados brasileiros apoiam a TMI.” Mas seria isso verdade? É o que vamos analisar a seguir.

3 – Reformados se levantando contra a TMI e produzindo materiais contrários ao Comunismo/ Marxismo e a TMI.


Como comentado na introdução, a TMI possuí diversos problemas relacionadas a influência marxista dentro deste movimento. E os Calvinistas foram acusados de serem omissos em criticar a TMI por ser “amiguinho” deles. Mas seria isso verdade? Calvinistas não criticam a TMI?
Qualquer pessoa que já buscou na internet críticas a TMI, sabe que isso é uma grande mentira, pois as principais críticas bem fundamentadas direcionadas a TMI foram realizadas por reformados ou aqueles que acreditam na TULIP.
Por exemplo, o Ver. Nicodemus (presbiteriano) em 2014, levou em seu programa Academia em Debate, que era vinculado ao Centro de Pós – Graduação Andrew Jumper (que é reformado), os professores e filósofos Jonas Madureira (batista que crê na TULIP) e Filipe Fontes (presbiteriano). Lá teceram diversas críticas a TMI (o link para assistir ao programa está logo abaixo):


Academia em Debate - Teologia da Missão Integral 


O Professor Fontes, também já deu aulas criticando a TMI (como pode ser assistido através do link abaixo):





O próprio Nicodemus fez em 2015, no canal “Perguntar não Ofende”, críticas a TMI:






E não é algo recente as críticas de quem segue a soteriologia calvinista à TMI, por exemplo Norma Braga em 2010, já tecia críticas a TMI, como pode ser observada abaixo:


Diversos outros conteúdos foram produzidos por pessoas que defendem a soteriologia reformada, entre os quais podemos recomendar e citar:

Sobre a minha crítica ao Progressismo Evangélico: Perguntas, Balanço Preliminar e Roteiro de Leituras

Teologia da Missão Integral e Teologia da Libertação: de onde saíram?


A partir deste momento, fica claro que, Calvinistas não somente são historicamente contra pautas marxistas, mas atualmente também o são, inclusive produzindo bons conteúdos críticos a TMI.

Mas ainda assim, alguém poderia tentar produzir uma última objeção, que seria a seguinte: “ Ok, de fato os ensinos de Calvino não dão margem para defesa de pautas marxistas, a IPB se posicionou contrária ao Comunismo, e Reformados vem produzindo conteúdos criticando a TMI, mas mesmo assim, ainda há muitos reformados dentro da TMI o que mostra um tipo de relacionamento entre reformados e as Pautas de esquerda”

E esta última possível objeção será tratada no próximo ponto.

4 – Uma consideração da atuação da TMI em diversas igrejas.


A verdade é que infelizmente a TMI ganhou bastante espaço, em igrejas presbiterianas bem como em Assembleias de Deus, igrejas batistas entre outras.
Em uma rápida passagem pelo canal no Youtube do Missão na Integra é possível perceber isso e ver o envolvimento das mais diversas correntes teológicas com a TMI.
De fato, é possível que existam pessoas que se auto declarem reformadas e participem da TMI, mas também existem pessoas de igrejas pentecostais, Batistas, e etc. Acaso, todas essas correntes teológicas seriam defensoras da Missão Integral porque existem adeptos delas que têm vínculo com a TMI? Mas é claro que não, isso seria um absurdo.
E é este absurdo, quando tentam empurrar a TMI como algo relacionado aos Calvinistas, quando são estes na verdade que vem tecendo críticas a tal movimento.

Conclusão


Como demonstrado ao longo deste texto, Calvinistas tem se levantado contra as pautas contrárias a fé cristã, inclusive tecendo críticas ao progressismo e marxismo dentro da TMI. As acusações levantadas não são verdadeiras. Os ensinos de Calvino, a posição histórica da IPB e a atuação de representantes do Calvinismo no Brasil atestam isso. Embora possam existir membros de igrejas reformadas vinculadas a TMI, isso não é algo exclusivo deles, Assembleias de Deus e Batistas também, nem por isso seria correto relacionar o pentecostalismo ou o credo batismo com a TMI ou com pautas marxistas.




NOTAS:
1 – O pastor “pentecostal” em questão é o Silas Malafaia, os vídeos citados podem ser acessados abaixo:


2 – Ariovaldo Ramos, em seu blog pessoal (link) abaixo, lamentando a morte de Hugo Cháves, afirmou que ele transformou o mundo em um lugar melhor.
Sua posição pro – aborto, pode ser atestada através do Canal mídia ninja, aonde o referido pastor é colunista.


3 – Os padrões de Westminster são representados pela Confissão de Fé de Westminster, Breve Catecismo e o Catecismo Maior. É importante ressaltar que os Padrões de Westminster também são antagônicos a visão econômica comunista. Isso é observável através de uma comparação do Catecismo maior nas perguntas de Nºs 141 e 142, que abordam o 8º mandamento (Não furtarás) e o Manifesto Comunista de Marx.No Catecismo é afirmado que é um dever a fidelidade e a justiça nos contratos e no comércio entre os homens e que é proibido a remoção de marcos de propriedade, a injustiça e a infidelidade em contratos entre os homens ou em questões de confiabilidade; a opressão, a extorsão e o cerco injusto de propriedades e a desapropriação. Marx, por sua vez, defende a tomada de medidas como a Expropriação da propriedade territorial e emprego da renda e proveito do Estado, Abolição do direito de herança, Confisco da propriedade de todos os emigrantes e sediciosos. Ou seja, a visão Comunista claramente viola o 8º mandamento, portanto, sendo contrária aos Padrões de Westminster.



Referências:

BIÉLER, André. O pensamento econômico e social de Calvino. Casa Editora Presbiteriana, 1990.

DE ARAÚJO GOMES, Antônio Máspoli. O pensamento de João Calvino e a ética protestante de Max Weber, aproximações e contrastes. Fides reformata, v. 7, n. 2, p. 9-32, 2002.

DE CASTRO, Mauricio et al. O empréstimo a juros no pensamento econômico de João Calvino. Revista Ciências da Religião-História e Sociedade, v. 6, n. 2, 2009.
MARQUES, Edson. A Posição da IPB sobre o Comunismo. Disponível em: http://bereianos.blogspot.com.br/2015/11/a-posicao-da-ipb-sobre-o-comunismo.html

MATOS, Alderi Souza. Calvinismo e Capitalismo: Qual é Mesmo a Sua Relação?. Disponível em: 

PEYREFITTE, Alain. A sociedade de confiança: ensaios sobre as origens e a natureza do desenvolvimento. Topbooks, 1999.

SILVESTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no pensamento de João Calvino. 2001.

SKINNER, QUENTIN; SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. 1978.