quarta-feira, 7 de março de 2018

CARTA PASTORAL E TEOLÓGICA SOBRE A LITURGIA DA IPB (parte 02 de 04)

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2. O CULTO PÚBLICO

PRINCÍPIO REGULADOR DO CULTO


O culto público é alvo de diversas regulamentações, normas e princípios revelados nas Escrituras. Lembremos que os quatro primeiros mandamentos da lei de Deus, entre outras coisas, tratam do culto que devemos prestar a ele: o primeiro, que devemos cultuar somente a Deus (Ex 20.3); o segundo, que devemos cultuá-lo em espírito e verdade e não mediante imagens ou representações (Ex 20.4-6); o terceiro, que devemos adorá-lo de todo o coração, sem tomar seu santo nome em vão (Ex 20.7); e o quarto, que devemos separar um dia em particular para que descansemos e cultuemos a Deus (Ex 20.8-11). O fato de que Deus reservou quatro dos dez mandamentos para tratar, também, do culto que a ele devemos, por si só é indicativo do zelo e cuidado que ele tem pelo mesmo. Por esse motivo, ao tratar do culto público, a nossa Confissão de Fé declara:

A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras.58
5 CFW, XXI.1.
O conceito refletido nesta seção da Confissão de Fé tem sido chamado na tradição reformada de "princípio regulador do culto". Em linhas gerais, o princípio regulador nos ensina que o culto que é aceitável a Deus é aquele oferecido de acordo com sua vontade revelada nas Escrituras (Dt 12.32; Mt 4.9-10; Jo 4.23-24), e que ele não tem prazer em um culto onde constam invenções humanas, por mais antigas, atraentes, bem intencionadas, contemporâneas e razoáveis que possam parecer (Mt 15.9).

ELEMENTOS DE CULTO


Do culto público a Deus constam os elementos, que são aquelas atividades determinadas pelas Escrituras nas quais o povo de Deus reunido se engaja com o propósito de adorá-lo (SI 96.9; 99.9), render-lhe graças e louvor (SI 100.4; 30.4; 33.2), dar a conhecer as suas petições (Is 56.7; Fp 4.6), edificar-se internamente (Rm 14.19; ICo 14.3; Ef4.l6), e anunciar o evangelho ao mundo (ICo 14.24-25).

Na determinação do culto e dos elementos que o compõem, devemos recorrer às Escrituras Sagradas, nossa única regra de fé e prática, lembrando sempre que a essência do culto no Antigo e no Novo Testamento é a mesma. Ainda que sejam administrações diferentes, a aliança entre Deus e seu povo é uma só. Todavia, ao usar o culto do Antigo Testamento como base para o culto cristão, devemos empregar especial cuidado, tendo em vista que o mesmo contém diversas cerimonias, partes e elementos que eram prefigurações de Cristo, sua vida e obra, e que foram abolidos no Novo Testamento.6
6 CFW, XIX.3.
Todos os princípios e elementos do culto público mencionados no Antigo Testamento e que são confirmados no culto público revelado no Novo Testamento, quer por preceito, exemplo, ou inferência legítima, podem e devem ser utilizados para o serviço a Deus (Hb 9.1-22; Cl 2.16-17).

Nem todas as atividades realizadas pelos seres humanos são próprias, adequadas ou eficazes para estes fins elevados. Embora muitas dessas atividades não sejam intrinsecamente erradas em si mesmas, elas não cabem no culto prescrito por Deus. Por este motivo, o próprio Deus nos revelou em sua Palavra quais os elementos apropriados para o seu culto, que são assim definidos por nossos símbolos de fé:7

- ORAÇÕES
- LEITURA DA PALAVRA DE DEUS
- PREGAÇÃO DA PALAVRA DE DEUS
- CANTAR SALMOS, HINOS E CÂNTICOS ESPIRITUAIS OU SAGRADOS
- CELEBRAÇÃO DA CEIA (QUANDO HOUVER)
- MINISTRAÇÃO DO BATISMO (QUANDO HOUVER)
- JURAMENTOS RELIGIOSOS
- VOTOS, JEJUNS SOLENES E AÇÕES DE GRAÇAS EM OCASIÕES ESPECIAIS
- OFERTAS.8
7 CFW, XXI.5 e PL, artigo 8Q, parágrafo único. Ver ainda: Fp 4.6; lTm 2.1; Ef 5.19; SI 100.2; Cl 3.16; 2Co 8.1-9.15; 2Tm 4.2; Lc 4.16; At 15.21; 20.7; Dt 6.13; Ne 10.29; Ec 5.4-5; Jl 2.12; Mt 9.15; ICo 11.23-29; At 20.7.
8 A bênção apostólica não consta da relação de elementos de culto, quer na CFW quer no PL.
Ela é prevista na CI/IPB, artigo 31, que diz apenas que sua impetração é prerrogativa exclusiva dos pastores. Sua não inclusão nas listas de elementos, portanto, não a torna obrigatória ao final dos cultos. A questão das línguas e profecias durante o culto já foi tratada pelo Supremo Concílio da IPB em sua CARTA PASTORAL SOBRE O ESPÍRITO SANTO, aprovada no SC-IPB/1998, doe. CXIX.

A Confissão de Fé declara que esses elementos são parte do "culto ordinário" a Deus,9 e os Princípios de Liturgia que o culto a Deus consta "ordinariamente" desses elementos.10 Estas expressões não significam que existem "cultos extraordinários" e que "extraordinariamente" outros elementos, que não os antes mencionados, devam ser incluídos neles. As Escrituras não reconhecem dois tipos diferentes de culto público a Deus e nem duas categorias distintas de elementos, ordinários e extraordinários. A linguagem dos símbolos de fé visa tão somente dizer que esses elementos constituem o padrão do culto a Deus e que não há outro tipo de culto que devamos prestar-lhe.
9 CFW, XXI.5.10 PL, artigo 8°.
A Confissão de Fé menciona que em "ocasiões especiais" o culto a Deus pode incluir elementos como votos, jejuns e posteriormente ações de graças pelos livramentos. Estas "ocasiões especiais" são guerras, calamidades públicas e outros acontecimentos extraordinários que devem levar a igreja a buscar o favor de Deus de maneira mais intensa.11
11 CFW, XX1.5.
As Escrituras nos ensinam claramente que Deus não se agrada de um culto onde elementos estranhos são apresentados, ainda que sob pretexto de boa intenção (Rm 10.2). Elas se pronunciam de maneira veemente contra inovações no culto (Dt 12.1-32). Essas inovações consistem em introduzirmos atividades que não fazem parte dos elementos do culto público. Os símbolos de fé declaram que Deus "" não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás"".12
12 CFW, XXI.1. Veja ainda as seguintes partes dos Símbolos de Fé que nos orientam a não inventar maneiras de se adorar a Deus, e que nos conclamam a nos opor aos cultos falsos: Catecismo Maior perguntas 108 e 109; Breve Catecismo perguntas 50 a 52.
Todavia, é possível, e mesmo desejável, que haja uma variedade saudável quanto à sequência, frequência e intensidade com que os elementos de culto são empregados. A razão é que as Escrituras não nos fornecem uma ordem litúrgica fixa e estabelecida, e a tradição reformada jamais adotou uma liturgia única para todas as suas igrejas.

AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CULTO


Enquanto que a igreja deva se restringir zelosamente aos elementos prescritos na Palavra de Deus, conforme entendidos pelos símbolos de fé, existem determinadas circunstâncias referentes ao bom andamento do culto público (ICo 11.13-14, 33-34) que foram deixadas a critério dos pastores e conselhos das igrejas locais, conforme estabelece a nossa Confissão:

"há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da Palavra, que sempre devem ser observadas.13
13 CFW, 1.6.
Algumas dessas circunstâncias estão relacionadas com o ambiente de culto, e envolvem decisões quanto à arrumação do salão, mobiliário adequado e sua disposição no local, a iluminação e decoração do ambiente, amplificação do som, uso de mídia, a determinação dos horários de culto, entre outros. Outras circunstâncias estão relacionadas com o culto propriamente dito, tais como o acompanhamento do cântico congregacional com instrumentos musicais e cântico através de coros e grupos.

O que diferencia estas circunstâncias dos elementos do culto é que os elementos são parte essencial do culto a Deus e foram por ele prescritos em sua Palavra, sendo meios pelos quais recebemos a sua graça e sua Palavra e lhe prestamos adoração e louvor. As circunstâncias, por sua vez, dizem respeito aos passos envolvidos na implementação e aplicação dos elementos e são dependentes destes. Destarte, as circunstâncias não são parte essencial e intrínseca do culto, podendo ou não estar presentes, de acordo com o julgamento dos pastores e conselhos das igrejas locais. A presença ou ausência de determinadas circunstâncias não torna um culto mais ou menos espiritual ou aceitável a Deus.

Algumas atividades exercidas historicamente durante o culto da IPB têm sido alvo de controvérsia mais recente dentro da denominação, como a participação de corais, o uso de instrumentos musicais, o entoar hinos e cânticos contemporâneos em vez de exclusivamente os salmos, e a participação de mulheres cristãs no culto público, orando ou lendo as Escrituras. A Comissão Executiva da IPB, respondendo consulta sobre o assunto, declarou que a proibição destas coisas não encontra amparo nos símbolos de fé da Igreja e nem nos Princípios de Liturgia que regem seu culto, e que, portanto, o cântico coral, o acompanhamento instrumental, os hinos e cânticos, bem como a participação das mulheres cristãs nas orações e leitura da Palavra podem fazer parte da liturgia presbiteriana.14
14 CE/IPB - 2008-Doc. 193.

MUDANÇAS HISTÓRICAS NOS CULTOS


Ao longo da história das igrejas reformadas determinadas mudanças foram aceitas no culto público. Entre elas mencionamos a inclusão de instrumentos musicais como o piano, o violão e, mais recentemente, a guitarra e a bateria. Também se incluíram o cântico coral e as orquestras. Outras coisas caíram no desuso, como o uso da peruca por parte dos pregadores. Também o uso do cálice comum foi abolido e substituído pelos cálices individuais, por motivos de saúde pública. O uso de saias pelas mulheres deu lugar às calças compridas e, em alguns lugares, deixou-se de usar o véu. Introduziram-se cânticos ao lado dos hinos tradicionais.

Todas estas mudanças, todavia, dizem respeito às circunstâncias do culto. Nenhuma delas tem a ver com acréscimo ou diminuição dos elementos do culto público. Assim, o fato de que mudanças têm ocorrido no culto ao longo da história da IPB não justifica a inclusão de novos elementos hoje, seja a título de modernidade, adaptação, contextualização e renovação.

Por causa de sua natureza circunstancial e secundária, as providências que atendem o culto não devem tornar-se um fim em si mesmas, nem assumir caráter religioso, tomar o lugar dos elementos ou impedir que os mesmos sejam utilizados de forma própria, eficaz e correta pelo povo de Deus. Apesar disto, elas são importantes e seu objetivo é permitir que o culto a Deus aconteça de maneira adequada, apropriada, facilitando a sua realização e maximizando o potencial dos elementos (ICo 14.40).

PRINCÍPIOS DO CULTO ACEITÁVEL A DEUS


É preciso ressaltar que o culto aceitável a Deus, além da observância dos princípios e normas quanto aos seus elementos, inclui determinadas atitudes e características também preceituadas nas Escrituras e que não devem ser negligenciadas. O Senhor Jesus nos ensina que devemos adorar a Deus "em espírito e verdade" (Jo 4.23-24). No contexto em que o Senhor Jesus proferiu estas palavras, que é o encontro com a mulher samaritana e a discussão sobre o local da adoração a Deus (Jo 4.19-23), adorá-lo em espírito significa não adorá-lo em um único local sagrado e ex- clusivo, como era o templo de Jerusalém, mas em qualquer lugar, desde que a atitude esteja certa. O que importa não é "onde", mas "como". Por ser Espírito, Deus não estava contido naquele templo ou no monte Gerizim, sagrado para os samaritanos, e onde antes havia um templo (Jo 4.20). Os adoradores que ele busca são aqueles que o adoram com a atitude interior aceitável e de acordo com a verdade por ele revelada aos judeus, em contraste com o culto falso dos samaritanos (Jo 4.22). Portanto, a declaração "adorar a Deus em espírito" não pode ser usada para se justificar um culto "livre" e ao sabor dos sentimentos e imaginações do condutor no momento. Esta interpretação é uma distorção do sentido das palavras do Senhor Jesus.

Além da adoração em espírito e verdade, as Escrituras destacam a sinceridade de coração, a humildade, o espírito quebrantado, uma santa alegria e gozo na presença do Senhor, a busca da edificação e o reconhecimento que o Deus Trino é o centro do culto. A solenidade diante do Senhor que caracteriza o culto público não é o oposto da alegria e da exultação em estarmos na presença do Pai. As duas coisas devem andar juntas, enriquecendo a nossa experiência de culto (Hb 12.28-29; SI 100.1; 84.3).

As Escrituras também nos falam do culto que Deus não aceita. Este é marcado não somente pelos acréscimos e invenções humanos, mas pela hipocrisia (Is 1), pela inimizade nos corações dos adoradores (Mt 5.23-24), pelas divisões internas nas igrejas locais (ICo 1-4 e 11; Gl 5.14-15), pela falta de ordem e de inteligibilidade (ICo 14), pela entrega de ofertas que simbolizam a falta de amor e de consagração a Deus (Ml 1), pela vida imoral do povo e dos seus líderes (Ml 2) e servir ao Senhor de maneira displicente (Is 58.1-10; Mq 6.6-8; Gl 6.7).

Assim, ao mesmo tempo em que tratamos de questões relacionadas aos elementos e circunstâncias do culto público, não podemos esquecer que a vida, a conduta e a atitude do povo e de seus líderes são igualmente importantes para o culto que Deus aprova.

RESPONSABILIDADE PELA CONDUÇÃO DO CULTO


Embora todos os adoradores sejam responsáveis para que o culto a Deus seja oferecido de acordo com seus preceitos, a responsabilidade da condução do mesmo recai sobre o pastor da igreja local, de quem a liturgia do culto é função privativa, conforme a Constituição da nossa Igreja.15 Assim, devem os pastores zelar para que o culto a Deus oferecido nas igrejas onde pastoreiam transcorra não somente de acordo com os padrões bíblicos no que se refere aos seus elementos e circunstâncias, mas também quanto à vida e atitude dos adoradores.
15 CI/IPB, artigo 31, "d".
O ministro não é livre para inventar elementos ou conduzir o culto público em princípios contrários às Escrituras interpretadas pelos símbolos de fé. Existem várias resoluções emitidas pelo Supremo Concílio e sua Comissão Executiva que colocam os limites apropriados à função litúrgica do pastor. De acordo com elas, a liturgia é prerrogativa do pastor da igreja local, podendo o presbitério ao qual a igreja é jurisdicionada supervisionar os cultos com vistas à conformidade com os padrões de fé da denominação. Isto significa que os presbitérios podem interferir quando a prática cúltica das igrejas jurisdicionadas fugir aos padrões e preceitos denominacionais. Da mesma forma, os conselhos das igrejas locais devem zelar juntamente com o pastor para que o culto seja realizado de acordo com estes padrões e preceitos.16
16 CE/IPB-95-124 - Doc. CVIII; SC/IPB-98 - Doc. CXIII; CE/IPB-1982 - Doc. 84; CE/IPB-2005 - Doc. XVIII.
Diante da seriedade do culto público, a sua natureza e a responsabilidade dos pastores em sua condução, o Supremo Concílio orienta seus ministros a que não abram mão de sua prerrogativa constitucional quanto à liturgia, entregando a elaboração e a condução do culto a outras pessoas, que por mais piedosas e sinceras que sejam, não foram preparadas nem ordenadas para tal. E que, sendo necessária esta delegação, que o pastor elabore e acompanhe a condução do culto, permanecendo o responsável final pelo mesmo.


>>> continua..