domingo, 4 de maio de 2014

Existem Duas Vontades em Deus? Eleição Divina e o Desejo de Deus para que Todos Sejam Salvos (por John Piper) - Parte 04 de 05

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Quão Extensa é a Soberana Vontade de Deus?

Por trás desta relação complexa de duas vontades em Deus está a premissa fundamental da Bíblia de que Deus é certamente soberano de uma maneira que o torna governador de todas as ações. R.T. Forster e V.P. Marston tentam superar a tensão entre a vontade de Deus de decreto e a vontade de Deus de comando, afirmando que não existe tal coisa como a soberana vontade de Deus de decreto: "Nada na Bíblia sugere que há algum tipo de vontade ou plano de Deus que seja inviolável". Esta é uma afirmação notável. Sem pretender ser exaustivo, será honesto tocar brevemente em algumas Escrituras que, de fato, "sugere que há algum tipo de vontade ou plano de Deus que seja inviolável".
Há passagens que atribuem a Deus o controle final sobre todas as calamidades e catástrofes provocadas pelo homem ou pela natureza. Amós 3:6: "Sucederá algum mal à cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?” Isaías 45:7,"Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas." Lamentações 3:37-38: "Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem? " Notável nestes textos é que as calamidades em vista envolvem hostilidades humanas e crueldades que Deus desaprova, apesar dEle querer que elas aconteçam.
O apóstolo Pedro escreveu a respeito do envolvimento de Deus no sofrimento do seu povo nas mãos de seus antagonistas. Em sua primeira carta, ele falou da “vontade de Deus” em dois sentidos. Era algo a ser perseguido e vivido por um lado. "Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos" (1 Pedro 2:15). "Para que, no tempo que vos resta na carne, já não vivais de acordo com as paixões dos homens, mas segundoa vontade de Deus." (4:2). Por outro lado, a vontade de Deus não era a sua instrução moral, mas o estado de coisas que ele soberanamente faz acontecer. "Porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal." (3:17). "Por isso, também os que sofrem segundo a vontade de Deus encomendem a sua alma ao fiel Criador, na prática do bem." (4:19). E neste contexto, o sofrimento que Pedro tem em mente é o sofrimento que vem de pessoas hostis e, portanto, não pode ocorrer sem pecado.
De fato, os santos do Novo Testamento pareciam viver à luz calma de uma global soberania de Deus sobre todos os detalhes de sua vida e ministério. Paulo expressou-se assim no que diz respeito a seus planos de viagem. Ao despedir-se dos santos em Éfeso, ele disse: "Se Deus quiser, voltarei para vós outros" (Atos 18:21). Aos Coríntios, escreveu: "Em breve, irei visitar-vos, se o Senhor quiser" (1 Coríntios 4:19). E, novamente, "Eu não quero, agora, ver-vos apenas de passagem, pois espero permanecer convosco algum tempo, se o Senhor o permitir" (1 Cor 16:7).
O escritor aos Hebreus diz que sua intenção é deixar as coisas elementares para trás e nos levar para a maturidade. Mas então ele faz uma pausa e acrescenta: "E isso faremos, se Deus permitir" (6:3). Isso é notável, pois é difícil imaginar que alguém pensa que Deus pode não permitir uma coisa dessas a menos que tenha uma visão extremamente alta das prerrogativas da soberania de Deus.
Tiago adverte contra o orgulho da presunção em falar dos planos mais simples da vida sem uma devida submissão à soberania global de Deus se a agenda do dia pode ser interrompida pela decisão de Deus tirar a vida que Ele deu. "Em vez de dizer: Amanhã faremos isto ou aquilo... devíeis dizer:Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo."(Tiago 4:15). Assim, os santos em Cesaréia, quando não puderam dissuadir Paulo de correr o risco de ir a Jerusalém "conformados, dissemos: 'Faça-se a vontade do Senhor!'"(Atos 21:14). Deus decidiria se Paulo seria morto ou não, exatamente como disse Tiago.
Este sentido de viver nas mãos de Deus, com Ele regulando até os detalhes da vida, não era novidade para os primeiros cristãos. Eles já sabiam disso pela história completa de Israel, mas especialmente da sua literatura sapiencial: "O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor" (Provérbios 16:1). "O coração do homem traça o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos." (Provérbios 16:9). "Muitos propósitos há no coração do homem, mas o desígnio do Senhor permanecerá." (Provérbios 19:21). "A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão." (Provérbios 16:33). "Eu sei, ó Senhor, que não cabe ao homem determinar o seu caminho, nem ao que caminha o dirigir os seus passos." (Jeremias 10:23). Jesus não tinha rivalidade com esse sentido de viver nas mãos de Deus. Pelo contrário, Ele intensificou a idéia com palavras como essas em Mateus 10:29: "Não se vendem dois pardais por uma moedinha? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai."
Essa confiança de que os detalhes da vida estavam no controle de Deus, todos os dias, estava enraizada em numerosas expressões proféticas do propósito soberano de Deus que não pode ser parado nem frustrado: "Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade(Isaías 46:9-10, cf. 43:13). "Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? " (Daniel 4:35). "Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado." (Jó 42:2).“Nosso Deus está nos céus, ele faz o que lhe apraz" (Salmo 115:3).
Uma das implicações mais preciosas dessa inviolável confiança na vontade soberana de Deus é que ela fornece a fundação da esperança do "novo pacto" para a santidade, sem a qual não veremos o Senhor (Hebreus 12:14). No antigo pacto a lei foi escrita em pedra e trouxe a morte quando se reuniu com a resistência do coração não renovado. Mas a promessa da nova aliança é que Deus não deixará os seus propósitos por um povo santo naufragar sobre a fraqueza da vontade humana. Ao contrário, promete fazer o que precisa ser feito para fazer de nós o que devemos ser: "O Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares o Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas.” (Deuteronômio 30:6). "Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis." (Ezequiel 36:27). “Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim. " (Jeremias 32:40). "Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” (Filipenses 2:12-13).
Tendo em vista todos esses textos, sou incapaz de entender o que Forster e Marston podem querer dizer com: "Nada na Bíblia sugere que há algum tipo de vontade ou plano de Deus que seja inviolável" (veja *nota 26). Também não posso entender como Fritz Guy pode dizer que a vontade de Deus é "desejo e intenção e não uma soberana e efetiva vontade" (ver *nota 12). Pelo contrário, as Escrituras nos levam de novo e de novo a afirmar que a vontade de Deus é, por vezes, tratada como uma expressão de seus padrões morais para o comportamento humano e às vezes como uma expressão de sua vontade soberana até mesmo sobre os atos que sejam contrários ao seu padrão.
Isto significa que a distinção entre termos como "vontade de decreto" e "vontade de comando" ou "vontade soberana" e "vontade moral" não é uma distinção artificial demandada pela teologia calvinista. Os termos são um esforço para descrever a completa revelação bíblica. Elas são um esforço para dizer "sim" a toda a Bíblia e não silenciar nada dela. Elas são uma forma de dizer "sim" à vontade salvífica universal de 1 Timóteo 2:4 e "sim" para a eleição individual e incondicional de Romanos 9:6-23.


* as notas não constam aqui.