terça-feira, 3 de maio de 2016

O BATISMO INFANTIL: Objeções e Respostas (por João Calvino) - parte 03 de 06

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3º. Os filhos de Abraão são unicamente os seus descendentes carnais

A diferença que os oponentes querem introduzir entre as crianças do Antigo Testamento e as do Novo é a seguinte: Naquele tempo os filhos de Abraão eram a sua linhagem carnal; agora, seus filhos são os que seguem a sua fé. Por isso os meninos que na idade própria eram circuncidados, representavam os filhos espirituais que pela Palavra de Deus são regenerados, nascendo para uma vida incorruptível. Reconhecemos aí uma minúscula centelha de verdade. Mas esses tais erram absurdamente e revelam pouca inteligência quando, tendo lido alguma coisa, não entendem que devem prosseguir na leitura e examinar o que vem adiante, para considerar tudo o que diga respeito ao assunto visado.

Reconhecemos que durante algum tempo a descendência corporal de Abraão ocupou o lugar dos filhos espirituais que pela fé são incorporados a ele, apesar de não terem nenhum parentesco de carne e sangue com ele. Mas se eles entendem, como o demonstram as suas palavras, que o Senhor não prometeu Sua bênção espiritual aos descendentes físicos de Abraão, nisso erram rotundamente. Eis aqui, pois, a maneira certa de entender isso, à qual nos conduz a Escritura: O Senhor prometeu a Abraão que dele procederia a descendência por meio da qual todas as nações da terra seriam abençoadas e santificadas, e lhe assegurou que seria o seu Deus e o Deus da sua posteridade. Todos quantos recebem a Jesus Cristo pela fé são herdeiros dessa promessa, razão pela qual são chamados filhos de Abraão.

Pois bem, é certo que, após a ressurreição de Jesus Cristo, o reino de Deus tem sido proclamado a todos, indistintamente, abrindo acesso a todos os povos e nações, para que, como Ele diz, sejam reunidos os crentes de todas as partes do mundo, do Oriente e do Ocidente, e tenham lugar no reino celestial, na companhia de Abraão, de Isaque e de Jacó (Mateus 8.11). Todavia, durante todo o tempo anterior à ressurreição de Cristo, o Senhor normalmente mantinha essa misericórdia especial restrita aos judeus, os quais Ele declarou que constituíam o Seu reino, o Seu
povo peculiar, a sua propriedade singularmente adquirida (Êxodo 19.5). Então o Senhor, para manifestar Sua graça para com essa nação, instituiu a Circuncisão, para lhes servir de sinal pelo qual Ele se declarava seu Deus e os recebia sob a Sua proteção,
para conduzi-los à vida eterna.


Citação do apóstolo Paulo

Foi por essa causa que Paulo, desejoso de mostrar que, como os judeus, os gentios são filhos de Abraão, pronuncia-se nestes termos: “Como pois lhe foi atribuída [a justiça a Abraão]? Estando ele já circuncidado, ou ainda incircunciso? Não no regime da circuncisão e sim quando incircunciso. E recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que creem, embora não circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça, e pai da circuncisão, isto é, daqueles que não são apenas circuncisos, mas também andam nas pisadas da fé que teve Abraão, nosso pai, antes de ser circuncidado” (Romanos 4.10-12). Não vemos como ele os nivela e os iguala em dignidade?

Porque durante o tempo que para isso Deus determinou, ele foi o pai dos crentes circuncisos; e, quando foi derribada a parede de separação, como diz o apóstolo, para dar acesso aos que estavam fora a fim de que entrassem, ele foi também feito pai destes, os quais não foram circuncidados (Efésios 2.14). Assim é porque o Batismo lhes serve de Circuncisão. E o que Paulo registra expressamente, que Abraão não é pai dos que não tem nada mais que a Circuncisão, visa o objetivo de abater a vã confiança daqueles judeus que só se atinham às cerimônias externas.

A mesma coisa se pode dizer do Batismo, para refutar o erro daqueles que só se preocupam com a água.

Explicação de Romanos 9.7,8

Mas, que será que o apóstolo quer dizer noutra passagem, quando ensina que “os verdadeiros filhos de Abraão não são os que descendem da carne, mas somente os filhos da promessa são reputados como sua semente”? (Romanos 9.8) Transparece dessas palavras que ele quer concluir que não adianta nada alguém ser descendente de Abraão segundo a carne. É preciso notar diligentemente aqui a intenção do apóstolo Paulo. Porque, para mostrar aos judeus que a graça de Deus não está ligada à descendência de Abraão segundo a carne, e que esse parentesco de sangue em si não merece nenhuma estima, ele os leva, no capítulo nove de Romanos, a Ismael e a Esaú, que, embora descendentes de Abraão, foram rejeitados como estranhos, e a bênção foi dada a Isaque e a Jacó. Por conseguinte, como ele mesmo conclui, a salvação depende da misericórdia de Deus, que Ele concede a quem Lhe apraz.

E também que os judeus não devem vangloriar-se de que constituem a igreja de Deus, se não obedecem à Sua Palavra. Contudo, depois de açoitar a sua pretensa glória, sabendo por outro lado que a aliança feita com Abraão e para a sua descendência não é destituída de importância, no capítulo onze ele declara que não se deve desprezar tal aliança e que eles são os primeiros herdeiros do Evangelho, a não ser que, por sua ingratidão, se façam indignos. Mas, por mais incrédulos que sejam, não deixa de chamá-los santos, por causa da santa progênie (1 Coríntios 7.14) da qual descendem, e afirma que nós, comparados com eles, não passamos de filhos abortivos, tendo sido enxertados na raiz ou no tronco vivo do qual eles são os ramos naturais. Por essa causa foi necessário apresentar o Evangelho primeiramente a eles, como sendo os primogênitos da casa do Senhor. Cabia-lhes essa prerrogativa, até quando a recusaram. Ainda assim, não devemos desprezá-los, seja qual for a rebelião que vejamos neles, confiantes em que a bondade do Senhor ainda está sobre eles por causa da promessa. Porque Paulo testifica que esta nunca se apartará deles, dizendo que os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento e são imutáveis (Romanos 11.29).


Conclusão desta parte: A aliança e seus benefícios são os mesmos para judeus e gentios

Do que foi dito se vê quão importante é a promessa feita a Abraão acerca da sua posteridade. Por isso, embora a eleição domine sobre este assunto, para discernir entre os herdeiros do reino celestial e aqueles que não têm parte nele, aprouve ao bom Deus estabelecer de maneira especial a Sua misericórdia na linhagem de Abraão atestando-a e selando-a com a Circuncisão. Pois bem, atualmente entre os cristãos a razão é a mesma. Porque como em Romanos 11 o apóstolo Paulo declara que os judeus são santificados por sua raiz e sua origem, noutro lugar (1 Coríntios 7.14) ele afirma que agora os filhos dos cristãos são santificados por seus pais, devendo ser separados dos filhos dos não crentes, os quais permanecem impuros. Daí se pode facilmente concluir que, conseqüentemente, é falso o que os nossos opositores pretendem, a saber, que as crianças pequenas que foram circuncidadas só representavam as crianças espirituais, regeneradas pela Palavra de Deus. Paulo não elevou tanto assim essa questão quando escreveu (Romanos 15.8): “Cristo foi constituído ministro da circuncisão, em prol da verdade de Deus, para confirmar as promessas feitas aos nossos pais”. Como se dissesse: “Assim como as promessas feitas a Abraão e aos demais patriarcas destinam-se também à sua descendência, assim também Jesus Cristo, para cumprir a verdade de Seu Pai, veio a este mundo para levar essa nação à salvação”. Eis como, após a ressurreição de Jesus Cristo, Paulo entende que a promessa sempre deve se cumprir literalmente. 

Vemos a mesma verdade no que diz Pedro no capítulo dois de Atos, quando anuncia aos judeus que a promessa pertence a eles e também aos seus filhos ou descendentes. E no capítulo três (Atos 3.25) lhes chama “filhos da aliança”, ou seja, herdeiros dos testamentos, sempre em atenção à referida promessa. O que é claramente demonstrado pela passagem do apóstolo Paulo que citei acima (Efésios 2.11-14). Porque a Circuncisão, dada para as crianças pequenas, foi instituída por Deus para testemunho da comunhão espiritual com Cristo. E, de fato, que é que se poderia responder à promessa que o Senhor fez aos crentes, por meio da Sua Lei, anunciando que faria misericórdia aos seus descendentes até mil gerações? Diremos que tal promessa foi abolida? Mas isto seria destruir a Lei de Deus, a qual foi estabelecida por Cristo (Mateus 5.17-19), tendo em conta que ela é benéfica a nós e à nossa salvação.


4°. Outras diferenças alegadas

Outras diferenças que os nossos oponentes se esforçam para mostrar entre a Circuncisão e o Batismo são totalmente ridículas, sem propósito e contraditórias. Porque, logo depois de afirmarem que o Batismo pertence ao primeiro dia da batalha cristã e a Circuncisão ao oitavo, dizem que a Circuncisão simboliza a mortificação do pecado e o Batismo o sepultamento que ocorre depois que nele morremos. Certamente nem um louco poderia contradizer-se de maneira tão clara e patente! Porque da primeira afirmação se poderia deduzir que o Batismo deve preceder à Circuncisão, e da segunda, que deve ser posterior à ela. Mas não temos por que nos espantar com tal contradição, pois o espírito do homem, dado a inventar fábulas e fantasias que mais parecem sonhos, é propenso a cair em absurdos como esse.

Dizemos, pois, que dessas duas diferenças que eles apontam, a primeira é fruto de puro devaneio. Não é desse modo que se deve alegorizar o oitavo dia, ou interpretá-lo alegoricamente. Muito melhor seria explicá-lo como o fizeram os doutores antigos, segundo os quais o oitavo dia representa a renovação da vida, que depende da ressurreição de Cristo, a qual ocorreu no oitavo dia. Ou então, que é necessário que esta Circuncisão do coração dure perpetuamente, enquanto durar a presente existência. Se bem que, ao que parece, o motivo da protelação até o oitavo dia seria que O Senhor levou em conta a fragilidade dos bebês. Querendo Ele que a Sua aliança fosse impressa em seu corpo, é provável que tenha dado esse prazo para que se fortalecessem e sua vida não fosse posta em perigo.

A segunda diferença de que falam não é menos correta nem mais sólida, porque dizer que pelo Batismo somos sepultados depois da mortificação é uma zombaria. É evidente que somos sepultados para sermos mortificados, como a Escritura ensina (Romanos 6.4-6). 


E as meninas?

Finalmente eles alegam que, se havemos de tomar a Circuncisão como fundamento do Batismo, não deveríamos batizar as meninas, visto que somente as crianças do sexo masculino eram circuncidadas. Mas se eles considerassem bem o significado da Circuncisão, deixariam de lado esse frívolo argumento. Porque, como por meio desse sinal o Senhor demonstrava a santificação da descendência de Israel, é certo que servia a ambos os sexos. Mas não se aplicava o sinal às meninas pela óbvia razão de que sua natureza física não o permite. Assim o Senhor, ao ordenar que os varões fossem circuncidados, incluía em sua significação o sexo feminino que, não podendo receber a circuncisão em seu próprio corpo, compartilhava de algum modo o Circuncisão dos varões.

Sendo assim rejeitadas e abandonadas, como merecem, todas essas tolas fantasias, permanece a veracidade da semelhança existente entre o Batismo e a Circuncisão, no tocante ao mistério interior, às promessas, ao uso e à eficácia.


5º. Por que batizar as crianças, se elas não entendem o significado do Batismo?

Outro motivo para que as crianças não sejam batizadas, apresentado pelos nossos oponentes, é que elas não podem entender o mistério representado pelo sacramento. Esse mistério é a regeneração, para a qual as crianças são incapazes. Por isso concluem que as crianças devem ser deixadas como filhas de Adão, até que cresçam e possam receber a regeneração.

Mas, tudo isso contradiz impiamente a verdade de Deus. Porque, deixar os pequeninos na condição de filhos de Adão é deixá-los na morte, visto que em Adão outra coisa não podemos fazer senão morrer. Entretanto, contrariamente a isso, Jesus Cristo declara que se permita que os pequeninos se aproximem dele. Por quê? Porque Ele é a vida. Jesus Cristo quer que os pequeninos participem dele para Ele os vivificar (1 Coríntios 15.22), ao passo que aqueles que aqui batalham contra a Sua vontade querem que eles permaneçam na morte. Porque, se, maquinando em suas sutilezas, os tais pensam que as crianças não perecem, apesar de serem deixadas como filhas de Adão, seu erro é categoricamente refutado pela Escritura. Isso ocorre, por exemplo, quando a Escritura afirma que em Adão todos morremos, e que só mediante Cristo podemos esperar receber vida (Romanos 5.12-21).

Semelhantemente, outra passagem (Efésios 2.3; Salmos 51.5) afirma que por natureza somos filhos da ira, concebidos em pecado, o que sempre traz consigo condenação. Segue-se, pois, que precisamos livrar-nos da nossa natureza para podermos ter parte no reino de Deus. E seria possível falar em termos mais francos e mais claros do que estes? – “A carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus”(1 Coríntios 15.50).  Portanto, é necessário que tudo quanto há em nós seja aniquilado para que sejamos feitos herdeiros de Deus, o que não nos poderá acontecer se não formos regenerados. Em suma, é preciso que a Palavra de Jesus Cristo permaneça verdadeira, isto é, que se reconheça que Jesus Cristo diz a verdade quando afirma que Ele é a vida (João 11.25; 14.6). Por conseguinte, temos que estar nele para podermos escapar da escravidão da morte.



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